Beleza limpa: uma rota consolidada!
Ativos e embalagens sustentáveis, fórmulas veganas e projetos com foco socioambiental: a beleza limpa não é mais diferencial e sim a regra dos players do segmento.
Uma empresa adotar práticas de sustentabilidade, para quem acompanha este segmento cosmético com um pouco mais de proximidade, soa como “chover no molhado” hoje em dia. O tema começa a ficar óbvio também para quem está de olho nas manchetes dos jornais, que abordam de forma muito mais incisiva os impactos negativos que nós, humanos, geramos no planeta, sendo o leitor um habitué das lojas multimarcas de batons e sombras ou não.
Estamos extinguindo, como sociedade, a ideia do “quando ocorrerá o aquecimento global” e nos questionando sobre o que precisa ser feito agora para diminuir as cheias, as queimadas ou o excesso de plástico nos oceanos. Então, o que consumidores mundo afora estão fazendo com muito afinco, no universo da estética e da higiene pessoal, é priorizar a beleza batizada como limpa. É a tentativa individual de diminuir a pegada nociva que imprimimos até aqui em nossa história no planeta. Além do lado ambiental, diversos artigos científicos (que ainda estão em andamento, o que é bem importante frisar para não haver tomada de decisão precipitada) apontam que certos ativos presentes nos produtos de beleza talvez não sejam os melhores para a saúde. Ftalatos, silicones e parabenos são alguns deles. Em suma, ser entusiasta da clean beauty não é mais, para grandes ou pequenos players da beleza, uma opção. É o básico exigido por quem tem o poder de compra.
Tal mudança de comportamento da população já foi mensurado. Um estudo de 2021, da Toluna, empresa de estudos com consumidores, apontou que a sustentabilidade influencia em alguma escala a decisão de compra para 92% dos consumidores brasileiros. A seguir, confira algumas iniciativas que estão ganhando destaque no mercado da beleza e consolidando um sistema com muito mais responsabilidade ambiental e social:
No Brasil, a in-cosmetics Latin America 2022, evento com público formado por químicos, formuladores e profissionais de pesquisa e desenvolvimento de empresas de cosméticos, teve como tema deste ano a sustentabilidade. E um dos painéis mais importantes da programação com essa temática verde contava com Cris Dios, fundadora do Grupo Laces, empresa de clean beauty para os cabelos e a pele; Luciana Navarro, uma das fundadoras da Care Natural Beauty, de skincare e maquiagens; Breno Jorge, CEO da Souvie, de cosméticos orgânicos, e Giulio Peron, CEO da Quintal Dermocosméticos, uma das primeiras empresas clean do Brasil a vender na gigante rede multimarcas Sephora. Outras marcas dentro dessa linha de sustentabilidade também estiveram presentes no evento, como a Cosmeteria Gourmet e a Holistix.
Saindo das discussões mercadológicas e indo para as gôndolas de perfumarias e mercados, a TRESemmé, de produtos para os cabelos, possui atualmente 100% dos frascos reciclados e recicláveis. Já quando o tema é unha, a Risqué, recentemente, lançou sua primeira linha 100% vegana de esmaltes. Ela é feita com ingredientes naturais, como a couve kale, o óleo de melaleuca e pigmentos naturais, como a flor de cártamo. As embalagens são sustentáveis, com tampas fabricadas com plástico reciclado de resíduos industriais e cerdas do aplicador de origem vegetal.
A Natura é uma pioneira na área. A multinacional brasileira parte de Natura & Co, combinação entre as marcas Avon, Natura, The Body Shop e Aesop, foi a primeira companhia de capital aberto a receber a certificação de empresa B no mundo (que visa como modelo de negócio o desenvolvimento social e ambiental) e a primeira brasileira a conquistar o selo The Leaping Bunny, que atesta o compromisso da empresa de não testar em animais os seus produtos e ingredientes. No último Rock in Rio, criou a “Nave – Nosso Futuro É Agora”, ação de soft power para levar ao público conhecimento sobre a região amazônica, além de ser a precursora nacional em biobeleza, que é a vertente guiada pela alta performance dos produtos que também são feitos respeitando o planeta e as pessoas que aqui habitam.
A Simple Organic, beautytech que desde a sua criação preza pelas fórmulas cosméticas orgânicas, naturais e livres de crueldade animal, também tem uma atuação muito intensa na sustentabilidade do mercado da beleza nacional. Possui, por exemplo, associação com a Certificação de Lixo Zero, reconhecida por uma empresa que atesta ações de gestão de resíduos sob a perspectiva de neutralização do impacto ambiental, a Zero Waste International Alliance. Em julho deste ano, lançou a nova cor do seu Safe Kiss, batom que não utiliza ceras sintéticas e pigmentos provenientes de origem animal, bem como óleo mineral, silicones e aromas artificiais. “Foi comprovado que nós ingerimos 24 miligramas de batom por dia. Se a pessoa for heavy user, essa quantidade pode aumentar para 87 miligramas. Esse é um dado assustador considerando que a maioria dos batons do mercado possui ingredientes nocivos, como o chumbo”, afirma Patrícia Lima, CEO e fundadora da Simple Organic.
Já a Weleda é uma companhia de pilares fincados no terreno da agricultura biodinâmica, prática agrícola que não usa químicos e respeita o fluxo natural de crescimento das plantações. A premissa da marca é que produzindo cosméticos e remédios dessa forma é possível poupar a degradação do solo e, por consequência, cuidar do meio ambiente. O relatório Global Land Outlook 2 aponta que até 40% do solo do planeta está desgastado, afetando diretamente a sobrevivência das plantas, micro-organismos e animais. Mesmo sendo uma empresa de origem suíça, no Brasil implementou o Jardim da Weleda em São Roque, interior de São Paulo. Lá existem mais de 200 espécies de plantas, um inventário vivo para futuras gerações, sendo 40 delas para a produção de seus produtos.
Em terreno internacional, as novidades mais quentes quando pensamos em beleza sustentável estão nas mãos de duas veteranas da moda. Stella McCartney agora tem a Stella, linha de beleza rica em ingredientes naturais, refilável e que só conta com três produtos: um sabonete líquido, um sérum e um hidratante. A estilista britânica acha muito mais coerente você tentar criar produtos para uma rotina minimalista, ou seja, consumindo apenas o essencial. Já a supermodelo Kate Moss também entrou na onda e lançou a Cosmoss, marca de bem-estar com produtos para corpo e rosto, além de chás. A label é vegana e teve inspiração nas rotinas de jardinagem da musa durante o período de isolamento social, por causa da Covid-19.
Entre as organizações consolidadas, a francesa L’Occita- ne en Provence repaginou recentemente dois produtos da linha clareadora Reine Blanche, que contém em sua fórmula a flor rainha-dos-prados. E é aí que entra um novo pilar de sustentabilidade. A colheita dessa planta é feita para deixar 50% de flores no ambiente e assim ajudar a renovação natural da espécie e garantir o cultivo sustentável.
A Cartier também traça a rota de produtos com responsabilidade ambiental. Sua última coleção de fragrâncias, Rivières de Cartier, tenta passar que a perfumaria nem sempre precisa ir atrás de plantas para ser clean: “Muitas notas de origem natural não são sustentáveis. Elas podem ser plantadas a longa distância ou usar muita água, o que não é benéfico para o planeta. Existem moléculas (as chamadas notas artificiais) que são seguras para o uso e possuem menos pegada de carbono, por exemplo”, diz Mathilde Laurent, perfumista in house da maison.
A L’Oréal, como líder do setor, também não ficou para trás. Em 2020, a companhia anunciou que iria alocar 150 milhões de euros para tratar questões sociais e ambientais urgentes. Até 2025 planeja alcançar a neutralidade de carbono, melhorando a eficiência energética por meio de energia 100% renovável.
Até 2030, 100% dos ingredientes de base biológica das fórmulas e embalagens serão rastreáveis e provenientes de fontes sustentáveis, bem como ajudarão 100 mil pessoas de comunidades carentes a terem acesso a trabalho. “Os desafios que o planeta está enfrentando são inéditos e é essencial acelerar nossos esforços para preservar um espaço operacional seguro para a humanidade”, comenta Jean-Paul Agon, presidente e CEO da L’Oréal. Com a pressão do consumidor e as iniciativas públicas e privadas, é possível constatar que a beleza pode ser um expressivo caminho para um pouco mais de equilíbrio climático e social. Que as promessas se concretizem e as iniciativas já adotadas sigam firmes e fortes.