Cultura

Cintia Koerper em entrevista exclusiva para a L'Officiel Brasil

Infusões perfumadas, pequenos bolos decorados, sanduíches recortados em formato de flores e scones suculentos ganham ainda mais charme quando postos em uma mesa bem produzida. O chá das cinco é um ritual com muita beleza, mas também de muita história. E parte dela agora é escrita por uma brasileira, Cintia Koerper, que assina o famoso Chá das Rainhas do Palácio de Seteais, em Sintra.

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Fotos: Divulgação

No início do Romantismo, movimento artístico, político e filosófico, a cidade de Sintra fervia. A região serrana próxima a Lisboa virou ponto de encontro de artistas, intelectuais e, por que não dizer, influenciadores analógicos, como o galante Lord Byron. Ele mesmo: o autor do famoso poema satírico sobre o mito de Don Juan. Nos dias atuais, passear pelas ruas, quintas e jardins monumentais segue no topo do interesse de quem ama história e tranquilidade, porém um chá da tarde vem roubando a cena no bucólico destino. E ele ocorre dentro do majestoso Palácio de Seteais, hotel da rede Tivoli que já abrigou membros da realeza, chefes de Estado, e estrelas como David Bowie e Bono Vox.

Uma curiosidade: a tradição de tomar chá no fim da tarde, e sem que a infusão tenha objetivo medicinal, que muitos pensam ser inglesa, foi incentivada por D. Catarina de Bragança, filha de rei português e que, após casada, se tornou rainha da Inglaterra, Escócia e Irlanda. Então de volta ao berço lusitano, o Chá das Cinco servido em Seteais coloca a pequena região serrana novamente na rota de pessoas de destaque, como famosos e influenciadores que não economizam cliques para postar em suas redes sociais a suntuosa refeição repleta de tarteletes, scones e infusão de ervas aromáticas de extrema pureza e raridade. Capitaneando a experiência está a chef confeiteira brasileira Cintia Koerper.

L’OFFICIEL Brasil bateu um papo com a paraense de destaque internacional para saber como o lado mais doce da gastronomia pode resgatar ingredientes locais perdidos no tempo e como o país natal a inspira a incrementar o sazonal “Chá das Rainhas”.

Há quanto tempo você mora em Portugal? Como foi o início de sua carreira, na confeitaria, em um país estrangeiro e com hábitos e gostos peculiares?
Moro em Portugal há cerca de 15 anos. O início na confeitaria foi por mero acaso. Nunca tive pretensão de ser confeiteira, pois a minha formação é de cozinha. Entretanto, me casei com um chef “colecionador” de estrelas Michelin e não quis competir com ele (risos). Então, abracei a confeitaria com amor e dedicação. Com relação a trabalhar num país estrangeiro, não tive dificuldade. Eu me adaptei rapidamente às diferenças culturais e hábitos alimentares do novo lar.

Você traz um pouco do Brasil em suas receitas?
Talvez eu traga alegria e cores às minhas criações. Trabalho em quatro cozinhas distintas e, em cada uma, me adapto às características do lugar. Em algumas, as criações são mais coloridas, em outras, mais tradicionais, tantas outras são modernas; mas adoro trabalhar com cores e texturas diferenciadas.

Conte-nos um pouco sobre o seu interesse em trazer para o menu contemporâneo ingredientes históricos – e que às vezes se perdem com o tempo, como a maçã regional de Sintra, presente nas tortinhas do badalado Chá das Rainhas.
Especialmente no Palácio de Seteais, procurei dar valor a alguns ingredientes locais, no caso a maçã reineta de Fontanelas-Sintra. É uma maçã com um nível de acidez, sabor e doçura únicos, que eu não poderia deixar de usar. É importante manter a tradição, pois valoriza o meu trabalho e o ingrediente local.

Percebi que os seus doces são muito leves. Você busca usar menos açúcar?
É verdade! Costumo usar menos açúcar refinado nas minhas sobremesas. Talvez a razão principal para isso seja o meu amor pelas frutas – seus sabores e seus açúcares. O resultado é igualmente bom e, sobretudo, mais saudável.

É verdade que em seu tempo livre você costuma pular as sobremesas das refeições?
É verdade (risos)! Tenho que provar sobremesas diariamente, por isso, em algum momento preciso rejeitá-las – salvo raríssimas exceções.

Como é capitanear o famoso “Chá das Rainhas”?
Montar o chá do Seteais foi uma relação de amor. Procurei trazer um ar lúdico a ele, como se estivéssemos em um pequeno jardim de borboletas e folhas, com tarteletes variados, scones, brioches, pequenos bolos, madeleines, macarons e sanduíches. As cores deste jardim se alteram conforme mudam as estações do ano, pois ele é sazonal.

O que não pode faltar em um bom chá das cinco?
Os scones, as compotas, o clotted cream e o chá de... limão! Adoro.

Você é casada com um chef renomado. Qual a receita para essa parceria de trabalho e afeto dar certo?
Sou casada com Joachim Koerper. Ele, ao longo da carreira, conquistou sete estrelas Michelin. Posso dizer que três destas eu tenho as pontas, afinal, trabalhamos juntos (risos). É uma relação tranquila, pois nos complementamos: ele na cozinha e eu na confeitaria. São 14 anos de união e posso dizer que a única cozinha na qual “brigamos” é a cozinha de casa. A receita para a felicidade como um casal? Não temos.

Você é uma confeiteira de mão cheia, em Portugal, e não come ovos – especificamente a gema. Isso já causou algum fato curioso nesta terra de doces conventuais (feito majoritariamente com ovos)?
Não gosto de gemas e tenho que usá-las todos os dias. É uma grande ironia do destino. Logo que cheguei a Portugal, causou-me alguns momentos de aflição quando me convidavam para almoçar ou jantar em restaurantes ou casa de amigos. Serviam doces conventuais e, com vergonha de dizer que eu não comia, eu acabava por engolir com litros de vinho. Obviamente que o desconforto era estar sempre bêbada aos finais das refeições (risos).

Qual a sobremesa brasileira que você mais gosta?
Sinto muita saudade das frutas da cidade onde nasci, Belém, no Pará. Cupuaçu, açaí, bacuri, murici, araçá, mangaba... São muitas. Impossível não salivar ao lembrar-me delas todas. E uma sobremesa específica posso citar é a Torta Maria Isabel, feita com cupuaçu em diferentes texturas. É uma sobremesa típica de Belém.

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