Gastronomia

A cozinha não binária de René Frank

No restaurante CODA, em Berlim, a alta gastronomia ganha uma nova linguagem, onde o doce e o salgado se dissolvem em um menu que desafia convenções.

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A berinjela aparece em uma versão inesperada, combinada com noz-pecã e balsâmico de maçã, um prato de complexidade fascinante (Foto: Divulgação)

Fui a Berlim com um objetivo claro: experimentar a cozinha de René Frank no restaurante CODA. Ao acessar o perfil do restaurante no Instagram, me deparei com a descrição "progressive dessert" e fiquei intrigado. O que isso realmente significava? Foi conversando com o chef que compreendi seu conceito de cozinha "não binária", algo que reflete perfeitamente a essência de Berlim. O nome CODA remete à música, indicando um encerramento marcante. Mas no restaurante, ele não significa apenas um fim, e sim uma transformação contínua, uma experiência culinária que transcende fronteiras. O CODA é um espaço onde os pratos são inspirados na confeitaria, mas vão além das sobremesas, explorando sabores de maneira ousada e inesperada.

O chef René Frank (Foto: Claudia Goedke)

Ao chegar, não há sinais evidentes de que ali funciona um restaurante duplamente estrelado. Sem placas do Michelin ou 50 Best na fachada, o espaço preserva um ar de discrição. Tocamos a campainha, como se fôssemos convidados para um segredo bem guardado. E, de certa forma, é isso que o CODA representa: um segredo compartilhado entre aqueles que estão dispostos a explorar o desconhecido. Aqui René Frank brinca com a estrutura, texturas e ingredientes clássicos da pâtisserie para criar algo novo. Não há distinção entre pratos salgados e doces, apenas uma jornada gustativa sem barreiras, uma dança entre umami, acidez, doçura e textura. Berlim é uma cidade de vanguardas, de contradições, de experimentação. René Frank desafia a lógica tradicional da alta gastronomia com uma postura destemida, quase subversiva, mas sem jamais perder o refinamento.

O ambiente do CODA em Berlim (Foto: Divulgação)

Minha experiência começa com uma bala de beterraba, uma explosão de sabor. Em seguida, um "beefcake" preparado com tutano e batata-doce, onde a ausência de doçura ressalta a profundidade dos ingredientes. O brioche com Gouda revela o apreço do chef por queijos, um elemento recorrente ao longo do menu. O "Carrot & Green" traz gengibre e iogurte desidratado, contrastando texturas. Logo depois, a berinjela aparece em uma versão inesperada, combinada com noz-pecã e balsâmico de maçã, um prato de complexidade fascinante.

A alface explosiva acompanhada de picles de pepino e cream cheese (Foto: Divulgação)

A sequência continua com uma alface explosiva acompanhada de picles de pepino e cream cheese, genial. O waffle de raclette transporta o chef para memórias de infância, trazendo conforto e nostalgia. Em seguida, o picolé de caviar com alcachofra e noz-pecã, uma assinatura do CODA, sintetiza a sofisticação do restaurante. Tomates deliciosos com macadâmia e sobrasada adicionam camadas de sabor inesperadas. Depois, o queijo Mimolette encontra a salinidade da alga Wakame e a doçura sutil do damasco, criando um jogo de contrastes marcante.

O picolé de caviar, uma assinatura do CODA (Foto: Divulgação)

A sequência segue com um grissini desconstruído, que na verdade não é um grissini, e sim um experimento com pele de porco que desafia a percepção do que conhecemos. O chocolate crocante, feito com cacau do Equador, tem um acabamento impecável e nos leva até a cozinha para testemunhar sua execução meticulosa. A experiência se encaminha para o final com um prato de raiz de salsa, que talvez tenha sido o momento menos impactante do menu.

Tomates com macadâmia e sobrasada (Foto: Divulgação)

Uma outra particularidade do CODA é sua abordagem em relação às bebidas. Os drinks não são apenas acompanhamentos, mas sim extensões do próprio prato. As doses são pequenas, geralmente 20 ml, equilibrando cada prato sem sobrecarregar o paladar. Há um momento no menu chamado "wine break", uma pausa onde os vinhos entram em cena para fazer a transição entre os pratos e realçar novas camadas de sabor. 

O chef René Frank (Foto: Claudia Goedke)

O que me impressionou em René Frank, além da sua obsessão pela precisão, foi sua postura. Há algo quase anárquico em sua abordagem: ele desafia rótulos, questiona tradições e propõe um novo jeito de pensar. Ele é um criador inquieto, que constrói e desconstrói conceitos com precisão matemática. A experiência no CODA é um convite para aqueles que querem ser surpreendidos. É um lugar onde o inesperado é a única certeza, onde o sabor guia e a criatividade reina. E, nesse contexto, René Frank se consolida como um pensador gastronômico, alguém que, em cada prato, nos faz questionar o que realmente entendemos sobre comida.

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