Alexei leva moda lúdica para a passarela da Casa de Criadores
Em uma conversa com Leonardo Alexei, descobrimos tudo por trás de uma das coleções de maior destaque na 50a edição da Casa de Criadores. Confira detalhes de sua estreia!
"Realidades narradas sob uma visão subjetiva, particular e intimista dão forma ao caos mental através de peças que vão muito além da literal vestimenta comum", essa é a definição de uma das coleções mais impactantes desfiladas na edição 50 da Casa de Criadores. Atraindo atenção total, a Alexei fez sua estreia e tirou o fôlego com seus designs lúdicos e referências não-óbvias, mostrando que a moda complexa tem seu lugar, sim, na passarela nacional.
Intitulada ''A Imitação da Rosa'', de um poema de Clarice Lispector, a coleção com 17 looks foi construída a partir do gatilho do desconforto de sentir algo dentro de si, algo impossível de ser apresentado ao mundo apenas em palavras, falando sobre ruínas, reconstrução e amor. Silhuetas amplas e estruturadas, estampas excêntricas, patchwork e muito brilho fazem parte de uma sequência planejada minuciosamente por Leonardo Alexei, que, nesta temporada, valoriza todos os rituais da vida. Mas não é de agora que esse tipo de influência é o ponto de partida para a mente criativa de Alexei. A marca, que existe desde 2017 e é a tradução perfeita do cotidiano e vivências dos pensamentos intimistas de seu criador, apareceu quase como um experimento social, sempre tendo a moda como um pilar importantíssimo de todas as ideias e questionamentos.
Após a repercussão de sua primeira apresentação, Leonardo Alexei bate um papo conosco e conta um pouco mais sobre seu trabalho, ideias e planos para o futuro.
Como foi estrear na Casa de Criadores?
Foi incrível, fui muito bem recebido, foi muito prazeroso estrear neste evento com meu primeiro desfile… Cheguei de uma forma muito forte, felizmente, estou recebendo um feedback muito legal e vejo uma repercussão incrível também. Além de entregar poesia, entreguei costura e responsabilidade com o nosso tempo. Tive apoio de marcas que estão no meu dia a dia - como Bruna Tavares - e que sempre foram parte importante da Alexei - como a Converse. Trabalhamos nos tênis como se estivéssemos na época da escola quando rabiscávamos o nome da pessoa que estávamos apaixonados, colocávamos cadarços coloridos e personalizávamos do nosso jeito. Desde o meu primeiro lookbook, quando a Alexei era totalmente amadora, usava Converse nas fotos e na composição dos looks, e agora chegar onde estou oficialmente com o apoio deles é muito louco e sensacional.
Como foi o processo criativo para essa coleção desfilada na Casa de Criadores?
Entrar na casa de criadores é uma grande oportunidade, então eu queria chegar com uma coleção que fosse muito verdadeira e intensa. Para marcar essa estreia eu fui atrás do que era mais latente em mim, da minha história com a moda e do que eu estava vivendo naquele momento. Eu estava apaixonado e fui tentar dar forma a esses sentimentos bons e ruins, também estava mergulhado na literatura, foi aí que comecei a procurar as referências mais banais de representação do amor, como a poesia. Minhas origens, ruínas, acontecimentos da vida que deixam marcas, meus sonhos e desejos mais dionisíacos, quis explorar tudo o que eu tive vontade,expressando meus desenhos mais íntimos. Nessa coleção eu exploro vários momentos, desde minhas origens caipiras, o patchwork que vem dos recortes de peças antigas da minha família, desenhos de pintura à mão feitos por pessoas que trabalham com artesanato na minha cidade natal, minha relação com os rituais da vida desde criança até hoje. As estampas são preciosas, inclusive em uma delas eu trabalhei com o scanner da minha própria pele (tem minha tatuagem, meus hematomas, meus arranhões, minhas veias) com a ajuda do designer de estampas Matheus Martins (@mytheus), que está comigo desde a primeira coleção da Alexei. A estampa de bolo de aniversário é outro exemplo ótimo… Fizemos uma estampa com o meu próprio bolo de 30 anos quando estava despedaçado em representação de todos os imprevistos e coisas ruins que acontecem, acreditem, em todos os meus aniversários, mostrando a ruína que é a vida. O elenco também é um ponto importante dessa coleção, pois ele não foi escolhido aleatória e superficialmente, ali estão pessoas que fazem parte da minha história, da história da Alexei, pessoas que contribuíram com suas histórias também, os skatistas da cena paulistana que já fazem parte do processo de construção da marca desde muito tempo e que foram muito importantes para passar ainda mais verdade no que eu queria expor.
Como é sua relação com a moda? Em qual momento da sua vida você começou a olhar para tudo ao seu redor com olhos de um designer?
É uma relação forte desde que sou criança, acho que sempre vi tudo isso com os olhos de um designer, mesmo sem saber o que aquilo significava… De pequeno eu gostava de criar personagens, meu passatempo favorito era brincar de teatro, com fantoches, máscaras, amava o formato das roupas volumosas e o que elas significavam em cada caracterização. Depois cheguei na adolescência e descobri o que é a moda mesmo, me apaixonei, fiquei simplesmente viciado em consumir tudo o que estava relacionado a este mundo, só pensava naquilo. Depois, na faculdade, me formei em arquitetura e urbanismo e vi muita relação com assuntos que gostava, mas nunca consegui focar em algo que não fosse a moda em si. Logo depois, criei a Alexei e, aí sim, comecei a viver a marca e tudo o que eu realmente amava.
O que você pensa sobre a moda nacional?
No Brasil as pessoas não gostam de moda, não há demanda de moda, as pessoas gostam daquilo que já está padronizado, do que é fácil. As pessoas não gostam de uma moda difícil, complexa… Na verdade até tem quem goste, mas é uma bolha bem pequena. Vemos o Brasil desse tamanho, com tanta diversidade de ideias e pensamos que existe muita demanda, mas não de moda criativa, de moda lúdica. Para nós, que temos esse sonho de viver disso em seu real sentido, é muito difícil, tem que ter muito amor para seguir em uma profissão que sabemos que vamos ter que pagar o preço de fazer o autoral e narcisístico, de querer vender algo muito nosso… Isso, quando atravessa a linha da apreciação da arte criativa e passa para o assunto comercial, é muito mais complicado.
Quais nomes da moda você cita como seus favoritos e como os trabalhos dessas pessoas influenciam no seu trabalho?
Coco Chanel, John Galliano, Vivienne Westwood, Martin Margiela, Simone Rocha, Jonathan Anderson… Eles me influenciam porque, além de seu trabalho incrível, eles estão comigo desde a minha adolescência e tem uma grande importância em tudo que sempre me encantou. Eles são meus professores, eles são parte do que forma a minha visão de moda. Mas não só esses estilistas me influenciam, a criação genuína da vida e a complexidade de trazer coisas que parecem estar muito longe de mim, como a alta-costura, junto das que estão tão perto, como as ruas de São Paulo, são parte de extrema relevância. Inclusive, nessa coleção que tem muito do skate, nos apropriamos do termo ''alta-costura'' e gravamos em serigrafia que nossa roupa é alta-costura (com a ajuda indispensável do Nando (@nvndofer), que é um skatista e artesão que também trabalha comigo). O legal foi que esta temporada da CdC aconteceu na mesma semana que a alta-costura, tudo casou direitinho.
Quais são seus planos daqui pra frente?
Meus planos são bem claros, quero ocupar o lugar da Maria Grazia e da Virginie Viard [risos]. Mas pensando como um estilista em ascensão, com certeza quero levar minha marca pra fora do Brasil também, levar toda essa personalidade que construí com minhas próprias referências e de tudo e todo mundo que já me influenciou em algum momento da vida, para mostrar minha verdade nessa moda lúdica e intensa.