André Torquato repete sucesso em “A Herança” em papel duplo
A L’Officiel conversou com André Torquato sobre a nova fase da sua carreira, os desafios por trás dos palcos e a provocação sociopolítica através da arte. Confira:
André Torquato celebra 2023 com um auge ainda maior do que 2022 - ano em que estrelou musicais de sucesso e ganhou diversos prêmios. Em março, o ator de 29 anos estreou seu mais recente desafio, a peça “A Herança”, ao lado de Reynaldo Gianecchini, Bruno Fagundes, Felipe Hintze, Rafael Primot e repetindo a cena com Cleomácio Inácio - com quem fez par no musical “Tatuagem”. A segunda temporada da montagem fica em cartaz até 30 de Julho, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo.
A L’Officiel conversou com o ator sobre essa fase da sua carreira, os desafios por trás dos palcos e a provocação sociopolítica através da arte. Confira:
Em 2022, você conquistou o prêmio de “Melhor Ator Coadjuvante” por duas vezes, primeiro pelo Prêmio Bibi Ferreira e logo depois no Prêmio Destaque Imprensa Digital. O que você reflete sobre esse feito hoje em dia?
Ter esse reconhecimento é sempre uma delícia. O nosso meio pode ser muito cruel, cheio de rejeição, então é muito gostoso quando nosso trabalho é celebrado. Confesso que junto com ele vem uma leve ansiedade da performance, do êxito, da provação, mas aí é só lembrar que apesar da imensa gratidão que tenho pelas premiações, nosso trabalho é feito no dia a dia, na troca com a plateia, no fim das contas o que realmente importa é isso.
Durante o intervalo de "A Herança”, você retornou para uma curta temporada do musical “Tatuagem”, montagem que retrata a luta de um grupo de artistas contra a censura durante a ditadura militar em Recife. Nesta peça, você interpretou a personagem Paulete - que lhe rendeu os prêmios do ano passado. Como você analisa a personagem e o que esse trabalho representou para você?
O Tatuagem foi uma experiência transcendental. Digo isso porque uniu muitas vontades que pulsavam dentro de mim e se concretizaram nesta peça. É um musical, brasileiro, com um discurso político claro, que aconteceu quase totalmente de maneira independente, foi concebido com uma delicadeza e força que se vê nos teatros de grupo, que era cult e comercial ao mesmo tempo, que abordava temáticas LGBTQIAP+, que tinha uma equipe diversa e posso ficar aqui uma eternidade listando os motivos pelos quais o Tatuagem é importante pra mim. Por todos esses motivos, e outros, Tatuagem é, e continua sendo, essa potência artística.
Além disso, “Tatuagem” trazia um grande debate político em seu roteiro e ficou em cartaz durante as eleições de 2022. Você acha que isso potencializou o texto e influenciou a equipe e a plateia?
Com certeza. O próprio roteiro desenvolve uma metáfora que diz: “cicatrizes bola de cristal”, trazendo uma ideia das marcas do passado que se projetam como uma premonição do futuro. No Tatuagem, a gente falava das cicatrizes da ditadura, mas ao mesmo tempo, o texto se encaixava perfeitamente com as atrocidades que estavam acontecendo no último governo. Isso nos impulsionava como artistas e arrebatava a plateia com uma potência única. As palavras do texto saíam da boca com um outro sabor. No primeiro turno das eleições de 2022, nós não cancelamos a sessão e ainda fizemos uma promoção “Todo mundo paga R$13,00”, queríamos estar perto dos nossos naquele dia, num misto de acolhimento, luta e êxtase.
Seja dentro ou fora dos musicais, você estrela nobres coreografias que hipnotizam o público e sua linguagem corporal rouba a atenção durante as peças. Você enxerga essa habilidade? E como funciona para você poder traduzir emoções através dos movimentos?
O corpo é uma ferramenta muito importante nos meus processos. A dança sempre esteve presente e foi se aprofundando em outros estudos como o Yoga. O trabalho do ator tem que acontecer de maneira íntegra, não adianta tentar separar a mente do corpo, da fala, da respiração. Tudo isso tem que estar trabalhando em conjunto, se uma dessas engrenagens estiver fora do lugar, o todo é comprometido. A propriocepção, você entender como o seu corpo se movimenta no palco, qual espaço ele ocupa, como ele se relaciona com a história, cenário, objetos de cena e outros atores, é de um valor tremendo e muitas vezes subestimado.
Para você, o que mais difere o teatro musical e o de prosa? Como você se adapta à dinâmica de cada uma?
Eu vejo diferenças num contexto acadêmico, de linguagem e também num aspecto comercial, de mercado. Porém, partindo da minha perspectiva como ator, eu abordo os dois da mesma maneira. Na verdade, cada peça tem as suas especificidades, independente do gênero. Cada obra pede algum tipo de preparação diferente, seja ela musical ou prosa. Tudo isso depende do tamanho da produção, dos caminhos que a direção quer seguir, qual história você está contando e muitas outras variáveis.
E como foi o seu processo de preparação para viver o Adam e o Leo em “A Herança”?
Foi um processo super intenso. Nós tivemos apenas dois meses para levantar uma peça de 6h de duração. Nunca tinha feito nada parecido em toda a minha vida e com certeza foi o trabalho mais desafiador até hoje. A dramaturgia do Matthew Lopez é brilhante, ela te dá muitas informações pra você desenvolver os personagens de maneira complexa e profunda, isso é um deleite. A condução do Zé Henrique de Paula também foi muito calma e gentil, o que facilitou o nosso processo de descoberta.
Em ambos personagens que interpreta em “A Herança”, você protagoniza grandes momentos e chega a ter um ápice quando os dois convergem em uma cena. Como ocorreu a construção dessa cena e o que você pode comentar sobre como tem sido essa experiência?
Essa cena foi um dos meus maiores pesadelos durante o processo, mas acabou se resolvendo de uma maneira muito fluida e tranquila. Era importante para mim que os dois personagens não fossem muito caricaturados, a peça tem uma estética realista em sua maior parte e eu não queria que as diferenças entre os dois ficassem tão discrepantes que fugisse da realidade. Aos poucos, fui encontrando sutilezas na maneira de andar, no tom de voz, na troca de olhares com outros personagens, que foram se desenvolvendo ao longo do processo. Na cena onde os dois se encontram, foi só entender os mecanismos técnicos dessa troca rápida entre um e outro. Hoje em dia é uma das cenas que eu mais gosto de fazer, é um presente pra qualquer ator encarar um desafio desses.
Na sua visão, qual é a principal mensagem que “A Herança” deseja levar ao público?
Numa peça de 6h, fica difícil resumir as mensagens da Herança em um ponto principal. Todo domingo, depois da peça, a gente faz um bate-papo com o público e é muito bonito ver onde a peça reverbera em cada pessoa. Isso acaba ficando comigo pelos próximos dias e vai me inspirando. Acredito que a mensagem que está pulsando dentro de mim por esses dias tem sido a da importância da comunidade. Seja ela qual for, você se identificar, se encontrar, acolher e ser acolhido com os seus. Procurar no outro um pouco de você e vice-versa.