São Paulo mágica por Liceu de Artes e Ofícios
Expoente do movimento arts & crafts, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo ajudou a compor registros estéticos de uma metrópole que sonhou em ser mágica
No final do século 19, quando o município de São Paulo recebia um número cada vez maior de imigrantes estrangeiros e sua população alcançava 65 mil habitantes, outros bairros foram adicionados oficialmente ao mapa da capital, que já contava com as propriedades dos barões do café erguidas na região dos Campos Elíseos e com os palacetes da Avenida Paulista, povoada pela aristocracia local e pelas famílias da nova elite econômica, caso dos industriais e dos comerciantes de renome.
Consolação, Bixiga (depois Bela Vista), Bom Retiro e Brás, entre as demais cercanias, ofereceram a partir daí a essência culturalmente diversa e socialmente poderosa do que viria a ser a mais frenética das urbes. Essa força de trabalho, que passou a ocupar as linhas de produção das fábricas, contou com os cursos de qualificação oferecidos gratuitamente pelo Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1873, por liberais paulistas como a Sociedade Propagadora da Instrução Popular. Os resultados bem-sucedidos do método de ensino seriam percebidos no lançamento de estabelecimentos similares, a exemplo do Liceu Coração de Jesus, aberto em 1885, e do Liceu Feminino Santista, inaugurado em 1902, no litoral do estado.
Um dos personagens mais importantes do Liceu de Artes e Ofícios foi Francisco de Paula Ramos de Azevedo, diretor, professor e responsável pela organização da grade curricular, que permitiu que os alunos tivessem aulas de cultura geral e profissional, e que pudessem acessar ainda a Escola Prática de Artes e Ofícios. Nascido em São Paulo, no dia 8 de dezembro de 1851, Ramos de Azevedo foi igualmente relevante na execução de projetos em
várias cidades do País, incluindo Campinas, terra de seus pais, onde vivia com a esposa, Eugênia Lacaze. O susto com o surto de febre amarela que atingiu o interior levou o casal e os seus três filhos a partirem para a província em 1886, a convite do governador Visconde de Parnaíba. Dono de um portfólio robusto, o engenheiro arquiteto formado pela Universidade de Gante, na Bélgica, abriu um dos escritórios mais longevos da Pauliceia, cujos edifícios monumentais ajudaram a adequar o perfil do centro urbano para um horizonte moderno, que vivia os anos de transição da monarquia para a república. Somada aos prédios do Theatro Municipal de São Paulo, do Palácio das Indústrias, do Palácio da Justiça e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, citando alguns deles, a sede do Liceu, uma construção de estilo neoclássico, também teve a assinatura da equipe de Azevedo, incluindo os arquitetos ítalo-brasileiros Domiziano e Claudio Rossi.
Com o tempo, a qualidade do conteúdo, do material didático de última geração e da supervisão oferecida por mestres conhecedores das tradições das artes aplicadas, unindo culturas geral e popular à ciência, fizeram do Liceu um dos centros de ensino profissional mais prestigiados do País. Estudantes, aprendizes, operários e artífices contavam com oficinas de carpintaria e de marcenaria, ebanesteria, escultura em madeira, serralheria, modelagem, artefatos metálicos, fundição, caldeiraria, mecânica, ornamentação, artes gráficas e eletrotécnica, que aconteciam diariamente na Escola Prática de Artes e Ofícios, estabelecida à Rua João Teodoro, endereço atual do Centro Cultural do Liceu e da escola de ensino médio. Além dos itens decorativos de natureza diversa, entre hélices de aviões, lustres, lampadários, gaiolas de elevadores e esculturas de bronze, os alunos participaram do processo de produção coletiva que deu forma às ferragens e aos móveis utilizados nos interiores do Theatro Municipal, contribuindo para a composição do patrimônio arquitetônico paulistano.
Nas primeiras décadas do século 20, a procura pela instituição atingiu índices proporcionais ao crescimento demográfico do município, que no censo realizado no ano de 1900, registrou 240 mil habitantes. Entre os tantos estudantes matriculados estavam os jovens Victor Brecheret, aluno de desenho, modelagem e entalhe em madeira, e Adoniran Barbosa, formado como ajustador mecânico. Com os conflitos que seguiram pela Europa, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o aumento da demanda pelo que era produzido em suas oficinas serviu para manter a estrutura do espaço, reforçando a ideia de seus fundadores e de todo o corpo docente, de unir a tradição do fazer artesanal às metodologias educacionais inovadoras, pautadas na utilização da tecnologia e na preparação de seus alunos para o mercado de trabalho e para outros caminhos na formação acadêmica. Prestes a comemorar 150 anos, o Centro Cultural do Liceu trará, entre eventos variados, exposições que celebrarão sua história através dos objetos e dos mobiliários feitos originalmente nas oficinas do instituto, por centenas de colaboradores, dos quais, claro, Brecheret, autor das esculturas modernistas Bailarina e Monumento às Bandeiras.