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Antonio Saboia celebra seu segundo filme premiado em Veneza e cotado para o Oscar

Antonio Saboia em entrevista a L’Officiel Hommes Brasil conta sobre os dois filmes no currículo premiados em Veneza e celebra a escolha de "Ainda Estou Aqui" para concorrer a uma vaga no Oscar.

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Fotos: Johann Bertelli

Antonio Saboia celebra um ano de destaque em sua carreira. No filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles, ele dá vida a Marcelo Rubens Paiva, numa emocionante narrativa sobre a ditadura militar no Brasil. O longa, baseado na obra de Paiva, foi ovacionado no Festival de Veneza e premiado por seu roteiro. Com uma preparação intensa e mergulho profundo na história da família Paiva, Saboia traz à tona a complexidade de um período sombrio da história do Brasil, em um projeto que promete deixar sua marca no cinema nacional.


Além disso, o ator integrou a primeira fase da novela "Mania de Você", dando vida a Henrique. Com uma carreira já marcada por colaborações com renomados diretores como Fernando Meirelles, José Padilha e Kleber Mendonça Filho, Saboia reafirma seu talento ao transitar entre o cinema e a televisão, sempre em busca de histórias que provoquem, emocionem e expandam seu alcance como artista.

Fotos: Johann Bertelli

Em uma nova entrevista à L’Officiel Hommes Brasil, relembramos o filme “Deserto Particular” e Saboia divide suas perspectivas sobre carreira e o lançamento de “Ainda Estou Aqui”.

L’OFFICIEL: Na última vez que nos falamos era sobre o lançamento de “Deserto
Particular”. Anos depois, qual a sua perspectiva sobre o filme? Você teve alguma
transformação após interpretar o Daniel?

ANTONIO: Fico muito feliz com a trajetória de "Deserto Particular" e como foi acolhido pelo
público. Recebo relatos bonitos até hoje de como o filme mexeu profundamente com
algumas pessoas. Existem tantos Daniels no Brasil e no mundo afora, presos em ideias e
conceitos retrógrados, e a trajetória desse personagem fala sobre a necessidade de se
libertar, de desconstruir certas crenças estruturais e enraizadas, e do perigo do retrocesso.
Acho que uma temática com a qual lidaremos ainda por muito tempo. Estamos em um
momento da história favorável para que as pessoas passem por um processo de
desconstrução de certas ideias pré-concebidas, cada uma à sua maneira, com suas
questões, tentando enxergar a vida por outros prismas. Tenho aspectos de mim que
também precisam ser desconstruídos. Acho que o Daniel veio me estimular ainda mais
nesse caminho. É um trabalho pelo qual tenho muito carinho e orgulho.

Fotos: Johann Bertelli

L: “Ainda Estou Aqui” se passa na ditadura militar, e paralelamente, houve manifestações nos últimos anos pedindo a volta do regime. O que esse filme te trouxe de novo a respeito deste período?
A: É crucial produzir filmes que lembram a ditadura sob todos os seus aspectos, especialmente em um momento em que parte da população pede o retorno de um regime opressor em nome de uma suposta defesa da liberdade. Há uma inversão perigosa da noção de democracia, onde muitos enxergam a regulação de notícias falsas como um atentado à liberdade de expressão. É necessário sim proteger a liberdade de expressão, mas não se pode permitir a manipulação em massa por meio de informações falsas. Milhões de pessoas não questionam o que leem, apenas procuram alimentar suas próprias crenças com mentiras, verdades distorcidas e opiniões deliberadas. Ou seja, continuamos em terreno fértil para outra ditadura. Parece que não saímos deste momento da História. Nem aqui, nem no eixo norte, aliás. O fortalecimento da extrema direita em todo o ocidente é um claro indicador disso.



L: Quais reflexões você acredita que o filme trará ao público?
A: É um filme político, mas não é panfletário. A questão humana está em primeiro plano e isso torna a história ainda mais potente porque todos conseguem se identificar com inúmeros aspectos dessa narrativa e desses personagens. Há vários relatos de pessoas que dizem não terem sentido os efeitos da ditadura, afirmando que bastava não fazer “nada de errado”. O filme conta a história de uma família feliz, tranquila no seu canto e bem de vida, que se vê, de repente, atropelada pela impunidade e violência de um regime autoritário, tendo seus direitos completamente violados. Acho fundamental que se faça um trabalho de memória com as pessoas que mitificam a ditadura. Precisamos provocá-las a questionar sua crença de que é normal e desejável conviver com o arbitrário só porque não foram vítimas pessoalmente de uma violência de Estado.

Fotos: Johann Bertelli

L: Mesmo tendo contracenado com vários atores, como foi estar em cena com Fernanda Montenegro?
A: Foi um imenso privilégio contracenar com a Fernanda Montenegro. Uma grande sorte! O profundo compromisso dela com a arte, a humildade e o carinho com que ela acolhe os outros, são impressionantes. Filmamos uma cena num dia bem quente com roupas de inverno fingindo que estava frio. O trabalho durou quatro longas horas e ela não reclamou de absolutamente nada. Pelo contrário. Em outra ocasião, havia uma cena em que eu tinha que reagir a uma reação específica dela. O plano não estava focado nela, mas ela ficou horas a fio atuando na cena para me ajudar. Ela é de uma generosidade fora do comum. Contracenar com ela cravou um "antes" e um "depois" na minha maneira de abordar o trabalho artístico, sem dúvida.

L: Dentro do enredo de “Ainda Estou Aqui” seu personagem precisa lidar com uma saudade, uma perda, um luto… Algo que talvez nem ele mesmo consiga definir. Como você enxerga esses sentimentos e como conseguiu transportar esses sentimentos à tela?
A: Perdi meu pai e minha mãe, em condições bem diferentes. O buraco que isso deixa na vida é imenso. A gente tenta entender e acomodar a morte de uma pessoa amada da forma que pode, seja de forma existencial ou espiritual. Inevitavelmente, existe todo um leque de sentimentos e sensações que nós atores emprestamos a cada personagem, além de todo o estudo que podemos fazer do contexto social, histórico ou psicológico. Mas, para alcançar um lugar de compreensão de como essa perda impactou a vida do Marcelo, eu só poderia usar a minha imaginação. Acredito que a imaginação seja a maior ferramenta do ator.


L: Você tem acumulado uma série de filmes aclamados no currículo e agora integrou a primeira fase da novela “Mania de Você” da Rede Globo. Existe uma intenção em migrar para os folhetins diários?
A: Acho importante transitar entre diferentes formatos: cinema, série, novela ou teatro. São formas distintas de trabalhar e todas trazem experiências enriquecedoras para o artista. Minha vontade é fazer de tudo.

Fotos: Johann Bertelli

L: Recentemente, viralizou a fala de um ator, que já interpretou um personagem gay, que criticou o fato de não haver papeis para homens héteros no audiovisual. Você no caso, mesmo sendo hétero, já fez um personagem LGBGTQIAPN+; qual a sua opinião sobre escalar pessoas cis e hetéros para personagens LGBTQIAPN+?
A: A gente tem o costume de enxergar o mundo de forma binária: ou é isso ou é aquilo. Ou pode ou não pode. Não sei se o Daniel é um personagem LGBTQIAPN+. E aqui cabe um mundo; não é categórico, entende? Vejamos pelo prisma de que o Daniel é um personagem cis que se apaixona por uma mulher. A história dessa mulher é inesperada para ele. E o filme tem muita beleza também por não escolher um caminho de querer nomear tudo! Sinto que o artista precisa ter liberdade para transitar. E a pauta que vem sendo discutida, da qual sou um entusiasta sim, me indica que o caminho a ser seguido deve ser o de garantir maior representatividade de forma geral no meio artístico e nos temas que escolhemos abordar. Não gostaria de me limitar à condição de homem hétero, cis e de classe média. Acho reducionista, porque dentro de cada um de nós há um mundo; e não converge com o que entendo com o propósito de ser ator. Sinto que todos nós, cis, LGBTQIAPN+, mulheres, homens, negros, deveriam poder interpretar diversos tipos de personagens e não apenas aqueles que condizem com o que somos na "vida real". Faz parte do nosso trabalho descobrir novos universos e novas vivências, experienciar, desconstruir e reconstruir. Recentemente a Rita Von Hunty/Guilherme Terreri, sempre muito cirúrgica, disse o seguinte numa entrevista intitulada “lugar de fala e confusão que se faz”: “A ideia de que só se pode falar a partir de um lugar de fala encapsula e isola a minoria, tirando-lhe a possibilidade de ter aliados. Se uma ideia reverberar apenas em um lugar, é muito fácil silenciar aquele grupo. É essencial que haja pessoas falando sobre esses assuntos em todos os lugares”

L: Repetindo uma pergunta que lhe fiz na última entrevista: Para dar um gostinho ao público, como você descreveria “Ainda Estou Aqui”?
A: Uma pílula vermelha de realidade para quem acredita que um regime autoritário é a solução e não terá impacto na sua vida; uma belíssima história de resiliência e luta protagonizada de forma brilhante por Fernanda Torres no papel de Eunice, uma mãe de família de força extraordinária, que se reinventa da maneira mais inspiradora.

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