Carolina Maluhy: arquitetura e moda conectadas
Carolina Maluhy fala sobre sua trajetória, referências e trabalhos que transitam entre a arquitetura e a moda.
Carolina Maluhy tem sua vida entrelaçada com a arte e a moda. Filha da estilista Candace Brown e neta da artista Marthe Dessureault, Carolina saiu do Brasil aos 16 anos para estudar em grandes universidades nos Estados Unidos e na Europa. Após oito anos, retornou ao Brasil e teve suas primeiras experiências como arquiteta, trabalhando com Isay Weinfeld e Roberto Aflalo.
Desde então, Carolina se tornou uma referência em arquitetura e design. Em 2005, fundou seu escritório homônimo, que hoje possui sedes em São Paulo e Londres. Seus projetos vão de residências modernas a lojas de moda, como A. Niemeyer, Cris Barros, Alexandre Birman e Candy Brown – marca fundada por sua mãe e atualmente dirigida por sua irmã, Giulia Brown. Um dos destaques de sua carreira é a casa da estilista Cris Barros.
A L’Officiel conversou com Carolina para saber mais sobre sua trajetória, inspirações e como ela enxerga a conexão entre arte e moda.
Quando começou sua relação com a arquitetura?
Meus avós admiravam profundamente a arquitetura e encomendaram o projeto de sua casa a Warchavchik. Durante a infância, passei muito tempo nessa casa, primeiro em visitas e depois morando com meus pais. Lembro-me de observar os detalhes dos móveis e os materiais utilizados, que eram muito diferentes dos das casas ao redor. Isso despertou em mim um interesse natural e uma curiosidade em compreender como os espaços eram pensados e projetados. Essa influência precoce me levou a explorar diferentes formas de expressão artística ao longo da vida, até que a arquitetura se tornou minha paixão e profissão.
Como você estuda e busca referências ao criar um novo projeto?
Busco referências em diversos elementos, especialmente na arte, que é uma fonte inesgotável de inspiração. Observo formas, texturas, luz e sombra e como esses elementos interagem no ambiente. Também me inspiro na história da arquitetura, em movimentos artísticos e na forma como as pessoas vivem e se relacionam com os espaços. Além disso, me interesso pelo contexto local do projeto, explorando as condições climáticas, os materiais disponíveis e os aspectos culturais. Viajar é outra maneira essencial de me manter inspirada, pois permite vivenciar diferentes abordagens arquitetônicas e soluções espaciais que podem ser adaptadas de maneira inovadora aos meus projetos.
Qual projeto você considera o mais desafiador?
Recentemente, realizamos uma casa em MLC (Madeira Laminada Colada), um método construtivo inovador que reduz o impacto ambiental. Foi um desafio repensar todo o formato tradicional do projeto, desde as modulações até a escolha dos materiais. Tivemos que adaptar nosso processo e explorar novas soluções para garantir um resultado sustentável e eficiente. O aprendizado foi enorme, especialmente na interação com engenheiros e especialistas no método construtivo, para garantir que a estrutura fosse funcional e, ao mesmo tempo, esteticamente harmoniosa. Cada etapa exigiu um olhar minucioso e atento, mas o resultado final nos deixou extremamente satisfeitos.
Como surgiu a decisão de criar uma sede do escritório em Londres?
Meu marido recebeu uma proposta de trabalho em Londres e, depois de um tempo, comecei a desenvolver projetos na cidade. Gradualmente, fomos expandindo nossa atuação na Europa, e Londres se tornou uma base para essa expansão. A cidade proporciona uma conexão com diferentes mercados e estilos arquitetônicos, o que enriquece muito nosso trabalho. Além disso, Londres é uma cidade extremamente dinâmica, com uma cena arquitetônica rica e uma infinidade de eventos e exposições que contribuem para um ambiente inspirador.
Você enxerga diferenças entre criar projetos no Brasil e em outros países, como Grécia e Itália?
Cada localidade traz desafios únicos devido às condições climáticas, aos materiais disponíveis, às técnicas construtivas, às legislações e ao estilo de vida das pessoas. Em Londres, por exemplo, os espaços são menores, as casas são antigas e precisam se adaptar às regras de conservação. Em geral, são casas de três ou quatro andares, com a cozinha como espaço central da vida social.
Na Grécia, o clima quente e seco influencia diretamente a arquitetura: os terraços e as áreas externas sob pergolados são os espaços principais da casa. Já na Itália, as construções tendem a manter divisões internas mais clássicas e formais, respeitando a tradição arquitetônica local.
Cada região tem sua própria identidade, e é sempre um desafio adaptar o projeto a essas particularidades. Esse processo de adaptação me estimula, pois exige uma abordagem sensível e respeitosa em relação à cultura e à história locais.
Madeira, pedra e concreto estão muito presentes em seus projetos. Que significado você acredita que esses materiais agregam?
Acredito que os materiais devem refletir a identidade do local. No Brasil, a mão de obra especializada em concreto é vasta, e temos uma grande diversidade de pedras naturais e madeiras que se integram à paisagem. Na Inglaterra, as construções costumam ter estrutura metálica e uso de drywall, enquanto as fachadas frequentemente utilizam tijolos ou pedras locais, com aberturas menores devido ao clima, entre outros fatores.
Prefiro trabalhar com materiais naturais encontrados na região, não apenas por questões sustentáveis, mas também para integrar o projeto ao seu entorno de forma mais autêntica e eficiente. O uso consciente dos materiais também reforça a relação entre a construção e a paisagem.
Sua relação com a moda começou com sua mãe, que era estilista. Como a moda se manteve presente em sua vida?
Desde muito pequena, convivi no ateliê da minha mãe, onde ela criava suas coleções com um olhar minucioso para tecidos, caimentos e acabamentos. Minha avó Marthe também estava sempre presente, desenhando roupas e acessórios, e esse universo criativo se tornou parte do meu cotidiano. Cresci cercada por rolos de tecido, moldes espalhados pelas mesas e discussões sobre combinações de cores e texturas, o que influenciou minha forma de enxergar a estética.
Em nossa casa, a moda era uma forma de expressão, um assunto sempre presente nas conversas e no dia a dia. Minhas irmãs também seguiram esse caminho: Giulia se tornou estilista, hoje à frente da marca Candy Brown, e Francesca desenvolveu um olhar estético muito apurado. A moda sempre foi um elo que nos uniu e trouxe momentos de troca e diversão.
Essa convivência moldou minha percepção de equilíbrio e proporção — valores que levo para a arquitetura. Aprendi a observar os detalhes, o toque dos materiais e como diferentes composições podem gerar sensações distintas. Assim, a estética e a moda se integraram à minha identidade de forma natural, e passei a enxergar o mundo através desse olhar.
Como foi o processo de criar a icônica casa da estilista Cris Barros?
Eu e a Cris somos amigas há mais de 25 anos e iniciamos nossas trajetórias profissionais lado a lado. Temos uma relação de troca intensa e sempre viajamos juntas, compartilhamos ideias e inspirações. O processo de criação da casa dela foi uma síntese de tudo o que acumulamos ao longo dos anos. Foi uma experiência enriquecedora e muito divertida, na qual refinamos as ideias até chegarmos às soluções ideais para traduzir sua identidade no espaço.
Como você enxerga a relação entre arquitetura e moda?
Acredito que todas as formas de criação estão interligadas. O corte de uma roupa, a textura de um tecido ou uma combinação de cores podem inspirar um projeto arquitetônico. A moda traz liberdade, flexibilidade e ousadia — elementos que podem ser incorporados na arquitetura para criar espaços mais dinâmicos e expressivos. Ambas trabalham com volumetria, proporção, sensação tátil e visual, e essa interseção é o que torna o processo criativo ainda mais rico.