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Arnaldo Antunes fala sobre seu novo trabalho em entrevista

Arnaldo Antunes completa 40 anos de carreira, retorna aos palcos e segue reinventando-se com os estilos que vão do rock ao instrumental minimalista.

Arnaldo Antunes
Arnaldo Antunes

Enquanto a pandemia pausava o mundo, Arnaldo Antunes estava pronto para apresentar o álbum “Real Resiste”, gravado no sítio-estúdio Canto da Coruja, localizado em Piracaia, no interior de São Paulo. No repertório, uma espécie de reflexão sobre os tempos sombrios que riscavam a paisagem e que já haviam colocado o Brasil em um transe coletivo desde a eleição presidencial de 2018. “Estamos em um período de destruição, de massacre dos direitos humanos. A descrença, a desigualdade e a negação parecem ter transformado a esperança em algo utópico.

A turnê – oito meses depois do lançamento do disco – veio numa pegada diferente, longe dos palcos que o músico frequenta desde os 20 anos. O show rolou no Sesc Pompeia, obra da arquiteta Lina Bo Bardi, com transmissão ao vivo pelo YouTube, e contou apenas com a presença do pianista pernambucano Vitor Araújo. Na canção que dá nome ao espetáculo fica evidente o tom crítico paginado pela acidez característica do portfólio de Antunes. “Autoritarismo não existe, sectarismo não existe, xenofobia não existe, fanatismo não existe, bruxa, fantasma, bicho-papão (...). Miliciano não existe, torturador não existe, fundamentalista não existe, terraplanista não existe (...). O real resiste. É só pesadelo, depois passa.”

Arnaldo Antunes

“Não há sol a sós”, - Diz Arnaldo Antunes sobre o seu desejo de paz

O desejo de estender a passagem pelo campo do minimalismo, a busca pela síntese, o gosto pela experimentação e a compreensão da natureza emocional das composições fez nascer “Lágrimas no Mar”, novamente ao lado de Vitor Araújo. “Queria algo apenas com voz e piano”, explica. O recente trabalho reúne quatro músicas inéditas (“Enquanto Passa Outro Verão”, “Lágrimas no Mar”, “Umbigo” e “A Não Ser”), uma parceria com Erasmo Carlos (“Manhãs de Love”), duas releituras (“Fora de Si” e “Longe”) e duas interpretações de outros autores (“Fim de Festa”, de Itamar Assumpção e “Como 2 e 2”, de Caetano Veloso). “Tem também as participações de Pedro Baby e de Marcia Xavier”, emenda. No começo deste ano, Antunes voltou a interagir com a plateia em seu novo show, pontuado por emoção interiorizada, canalizada. “Espero seguir resistindo, pois quando reivindico essa resistência, sei que é uma maneira de expressar toda a minha perturbação diante do absurdo.”

O sono da razão produz monstros

Por sinal, nos últimos tempos o artista tem mostrado profundo aborrecimento com o comodismo do pensamento, o desprezo pela intelectualidade e a razão anestesiada. “Sinto um estado de perplexidade, pois é inadmissível que as pessoas não se posicionem contra as brutalidades e que apoiem um projeto intolerante com as minorias raciais, étnicas e religiosas”, diz – e prossegue: “Simplesmente não acredito em polarização política. O que temos é uma direita extremada e cega”.

Autodeclarado eleitor do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, o cantor sabe que, depois de quatro anos insalubres, reestruturar o País não será tarefa fácil. “Mas é urgente reconfigurar a sociedade de forma mais humanista.”

Arnaldo Antunes

E ele não titubeia em fazer a parte que lhe cabe. No line-up de “Real Resiste”, por exemplo, as composições “Língua Índia” e “Dia de Oca” foram criadas durante a sua passagem pela aldeia Yawanawás, no município de Tarauacá, no Acre [Vale lembrar que os indígenas têm sido vítimas sistemáticas de genocídios, isso desde que o Brasil foi invadido pelos europeus, há 500 e poucos anos]. “As duas canções estão relacionadas a uma cultura rica e que tem que ser defendida no momento que estamos vivendo. Escrevi ‘Dia de Oca’ para cantar com eles, num momento festivo, e retribuir toda a energia positiva que estava recebendo.”

“O rock pode ser definido pela sede, pela garra e pela energia. vendo assim, jamais deixei de fazer rock”

Arnaldo Antunes

Pós-modernista

Paulistano, nascido em 2 de setembro de 1960, Arnaldo chegou a cursar Linguística na USP, mas desistiu por conta do sucesso do Titãs, banda que ele integrou desde os primórdios – de 1982 até 1992. Mas antes de emplacar com o grupo de rock, Belchior gravou a sua primeira composição, batizada de “Estranhaleza”, em 1981. Em carreira solo há três décadas, testou-se em diferentes gêneros, sem jamais deixar de lado o gosto pelas palavras. No começo dos anos 2000, deu forma ao projeto “Tribalistas”, juntamente com Carlinhos Brown e Marisa Monte. Depois foi a vez de dar voz aos “Pequenos Cidadãos”, em uma iniciativa desenhada entre pais e filhos. Arnaldo também faz poesia, escreve livros e soma prêmios. A sua obra mais recente no universo literário é “Algo Antigo”, que mescla poemas visuais e fotografias para falar sobre o tempo. @arnaldo_antunes

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