Projota estreia no cenário internacional sem renunciar suas origens
“Cresci sem mãe, ninguém pode ocupar o lugar. Fechei meu peito e passei sete anos sem chorar. Quando eu chorei, foi pra minha alma se lavar. Então me tranquei, me calei, me entreguei. E chorei por sete horas sem parar. Hoje o que eu quero é só sorrir”, escreveu Projota em um dos versos da música Pra Não Dizer que Não Falei do Ódio. A rima tem cara de biografia, sacada das memórias de José Tiago Pereira, o menino que ficou órfão ainda na infância.
Nascido nas quebradas da zona norte de São Paulo, autodidata e ex-melhor bom aluno da escola, o então aspirante a rapper deixou a casa da avó, com quem morava desde o falecimento da mãe, para viver com o pai, no interior paulista. Na cidade de Poá, o garoto que curtia livros deixou tudo para trás e resolveu “desandar”. “Sofri bullying por três dias. Mas na terceira vez que isso aconteceu, arremessei uma cadeira no meu algoz e ganhei o respeito da turma. Então, passei a andar com o pessoal que cabulava aulas e entrei na onda”, diz.
De volta à capital, ele se valeu do DNA da arte – a mãe era cantora, compositora e escritora – para se lançar no universo da música. Embora a sua formação fosse quase toda construída no rock de Guns n' Roses, Iron Maiden a Pearl Jam –, bastou escutar “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia”, do Racionais MC’s, para a sua vida tomar outro rumo. “Tinha uns 15 anos quando o rap tomou conta de mim e imediatamente comecei a escrever rimas. Queria o holofote – sou ariano –, e como reconheço que não tenho potência vocal, encontrei ali o meu estilo ideal.”
O sucesso veio alguns anos mais tarde, exposto no single Celta Vermelho: “Se você já pulou a catraca pra pegar busão, sabe o que eu passei. Se esse som bateu forte no seu coração, sabe o que eu passei. Porque hoje eu tenho tudo que eu sonhei, até um carro novo pro meu pai eu dei”. Mas ele confessa que o PS2 foi a sua verdadeira extravagância. “Depois o videogame foi útil para eu me aproximar da minha futura esposa. Acredita que vendi o game para ela?”, fala às gargalhadas.
Com mais de 3,5 milhões de ouvintes em seu Spotify, Projota é dono de hits bombásticos, sendo o mais novo deles gravado em parceria com o grupo cubano Orishas e o rapper mexicano Mario Bautista. A música tem suingue contagiante e promete embalar o verão aqui e além-mar. Aperte o play e se jogue na pista!
Como era o José Tiago na infância?
Muito briguento! Eu era o menorzinho da turma, mas batia em todo mundo. Isso só parou quando apanhei de verdade. Aí fui aprender Kung Fu para controlar o meu pavio curto!
Você pode nos contar sobre a sua lembrança mais marcante?
A minha mãe. Ela era uma força da natureza! Ela escrevia peças de teatro, música, atuava... Uma mulher à frente do seu tempo. Mas ela teve que abrir mão de tudo por con- ta do preconceito.
Quando você soube que sobreviveria da música? Eu sempre soube, as pessoas é que não sabiam! Cantar rap no Brasil era uma insanidade – e eu ouvia isso todos os dias.
Como eram os duelos de rimas?
Venci várias vezes as batalhas e as rinhas. Mas a mais importante na época era a Liga dos MC’s. Classifiquei em São Paulo e fui para a final no Rio de Janeiro. Nossa, conheci o Cristo Redentor e comi em uma churrascaria pela primeira vez!!
Qual era o seu sonho de consumo?
Pagar boletos (risos)! Mas para quem era da periferia, o sonho mesmo era ter um carro, né?! Hoje prefiro ter videogames (no plural mesmo, pois ele tem uma bela sala recheada de games!)!
Você acredita que o rap saturou? Ainda há o que mostrar?
Sempre disse que o movimento do rap estava apenas começando por aqui. Quem abriu as portas foram MV Bill, Racionais, RZO, Sabotage, depois chegou a nossa geração, que tem Emicida, Criolo, Rashid... Somos apenas um pequeno exemplo do timaço que já está por aí: Karol Conka, Flora Matos, Baco Exu do Blues, Rael, Rincon Sapiência.
E como é a receptividade do público?
A melhor possível. As pessoas hoje querem ouvir o que temos para dizer. Claro que nem sempre foi assim. Lá nos anos 1980 era outra realidade. Havia aquele “pânico” porque a periferia estava ganhando espaço. Daí veio o ál- bum “Pânico na Zona Sul”, do Racionais MC’s.
Você acha que houve uma quebra de paradigmas depois disso?
Sim, tenho certeza. A periferia passou a ser vista pela sociedade. Eu fui para a faculdade, cursei três anos de Educação Física graças ao Prouni.
O rap caiu nas graças da burguesia. Isso abalou a essência do movimento?
Você não segura um leão. É importante que as pessoas sejam acolhidas, sejam elas pobres, ricas, pretas ou brancas. Tem quem faça música por dinheiro e tem quem faça por amor. São discursos que as pessoas conseguem enxergar.
Qual é a diferença do rap americano para o brasileiro?
Hoje não há diferença. A Internet globalizou a música e a informação é imediata. O que está na crista da onda lá fora é o trap, que também já desembarcou aqui. O Matuê é um ótimo exemplo desse gênero.
Com quem você ainda quer fazer rima?
Mano Brown.
Como você se posiciona a respeito da legalização da maconha?
Nunca experimentei nada de drogas, nem mesmo cigarro. Sou fraco para o álcool e não curto. Mas não é porque nunca fumei maconha que sou contra a sua legalização. Ao contrário, acho que está na hora de deixar a hipocrisia de lado.
Qual é a sua preparação antes de encarar o palco?
Oração e água.
Você é evangélico?
Não. Mas gosto de ter uma sensação de proximidade com Deus. Às vezes vou à Bola de Neve. Sou um cara de fé.
Que mensagem tem na sua música?
A minha música é biográfica, uma espécie de autoanálise. Eu revivo os meus problemas sis- tematicamente graças ao meu repertório.
Há alguma música que você prefere não cantar mais?
Escrevi uma música para a minha mãe, chamada “Véia”. Ela me entristece... “Não posso tocar sua pele, mas eu sinto seu amor. É foda quando o sentimento se solta. Cê chora ao ver que já passou dez anos e ela não volta.”
O que o rap te deu?
As melhores coisas da minha vida, mas tam- bém me deu depressão, ódio, questionamentos... Precisei de um tempo de introspecção para entender todo o julgamento e parar de dar bola para as críticas negativas.
Como nasceu a música ¿Qué Pasa?
Componho com o som da batida. E quando ouvi a base do Danny B. escrevi o refrão em português e pensei como seria a versão em espanhol. Na hora sabia que tinha que ser com os Orishas e com o Mario Bautista.
Falemos de política...
Estamos em um momento muito doido. O mundo está sendo guiado pelas redes sociais. É um tanto assustador alguém virar “mito”. Fico pensando em que momento as pessoas passaram a idolatrar político? Eu não idolatrei nem o cara que me possibilitou fazer faculdade... Não quero que liberte ninguém, quero é que prendam os outros!
Jair Bolsonaro?
Esse cara ser o presidente do Brasil é surreal. Eu não tinha nenhum candidato nessa última eleição, só que não queria o pior para o País. Acho que as consequências serão muito dolorosas.
Você será pai. O que você espera para o futuro?
A minha filha será uma privilegiada. Ela terá uma condição econômica mais favorável, o que certamente muda tudo. Marieva (mistura de Maria e Eva) já é uma exceção.
Quem é o Projota?
É um cara simples, que faz o melhor ovo frito de gema mole (e o mais bonito) do mundo; que é feliz e grato a cada conquista e também a cada derrota.