Obras de TEC Fase fazem refletir sobre o caos das grandes cidades
Intersecção da arte! O grafiteiro argentino radicado na seara paulistana TEC Fase traça contextos intrigantes em obras que instigam a reflexão sobre o caos das grandes - e supercongestionadas - metrópoles
Quando a rua é a principal fonte da inspiração, é possível descobrir uma nova cidade, um espaço ocupado por algo que vai além do concreto e do movimento frenético cotidiano. “A vida de grafiteiro te mostra uma cidade um pouco oculta”, garante TEC Fase, argentino nascido em Córdoba e radicado no Brasil há 12 anos. É essa “cidade oculta” que ele leva para murais como a imensa cabeça desenhada com reproduções das formas de pistas de concreto num prédio da rua Amaral Gurgel, próximo ao Minhocão, região central de São Paulo. “É uma cabeça como uma múmia, preenchida com autopistas, rodovias, avenidas, uma questão bem paulistana”, explica o artista, que não hesita em refletir sobre as ambiguidades da área comum em contraposto ao privado e sobre as dinâmicas do ambiente urbano.
A cabeça estampada ao lado do Minhocão é a obra mais conhecida de TEC por aqui, mas é, também, um ponto de referência para uma produção construída a partir de reflexões do artista sobre a função da arte e sua presença neste cenário caótico. “Criei toda uma série de cabeças em murais pintados durante muito tempo. E elevei o conceito para o formato digital na medida em que fui em uma coleção de cabeças digitais com esse conceito do mural”, explica TEC, que inaugurou a mostra “On-Off” no fim de agosto deste ano, na galeria Choque Cultural. Na exposição, ele explora a tecnologia associada a técnicas de colagem e de pintura mural. “As obras são uma continuação de um trabalho que comecei a fazer totalmente inspirado em São Paulo e que vem do mural no Minhocão”, diz.
Foram quatro anos debruçado sobre a produção de uma instalação cuja base são televisões com as telas pintadas pelo próprio artista. Os monitores exibem um vídeo feito com drones e a combinação com a interferência da pintura gera o que TEC chama de colagens digitais. “Misturei a tecnologia com a pintura tradicional. O que acontece são duas questões: primeiro, o vídeo que está rodando tem uma produção e depois há um trabalho que tem vida própria”, explica. Quando passou a pintar as telas dos televisores, o argentino disparou um gatilho que o levou a pensar nas várias possibilidades visuais quando se troca um suporte tradicional por um dispositivo fruto do desenvolvimento tecnológico. “Abriu um novo cenário”, conta. “Comecei a produzir vídeos já pensando que seriam colocados dentro de uma tevê, e assim surgiu uma ideia nova que apresento como inédita.”
Mesmo apresentando-se numa galeria, TEC não abandona os insights presentes na origem de uma produção iniciada nas ruas. “Utilizo a rua como plataforma do meu trabalho e isso me coloca numa relação muito próxima com a cidade, com o urbanismo, com as leis”, avisa. “Considero-me um artista que pinta o que vê, mas com essa curiosidade pela tecnologia, pela vanguarda, para não colocar limites na minha própria arte.” Essa curiosidade o levou a investigar e a explorar soluções que envolvessem a tecnologia, mas sem deixar de lado o gesto artesanal da pintura. Quando desembarcou na Pauliceia vindo de Buenos Aires, TEC não se aventurou a trabalhar pela urbe imediatamente. “Demorei”, lembra. A capital portenha era um espaço conhecido e dominado, o artista estava acostumado à ação e à reação do público. No Brasil, precisou de um tempo de adaptação. As primeiras interferências se deram no asfalto, e não nos muros. “Por uma questão topográfica da cidade”, explica. Na hora de rabiscar sobre os murais, investiu em imagens de cabeças cegas, uma simbologia que carrega significados diversos da vida cotidiana nas grandes metrópoles. “A questão da crítica para mim é muito importante”, diz. “Tem tanta coisa errada, seja do lado político, climático, urbano, que você pode colocar foco nestas questões. E eu faço isso como parte do meu trabalho. Pode estar em pequenas mensagens e, às vezes, é até mais direto.” Esse olhar assume diferentes configurações que dependem da origem da obra, se feita na rua ou se pensada para uma galeria, para ser inserida no mercado de arte. Mas uma coisa está sempre presente: TEC não se esquiva de comentar assuntos que acredita serem relevantes. E, ultimamente, a questão climática e temáticas políticas tornaram- -se pautas relevantes, além do trato das minorias de forma geral e da injustiça. “É importante aproveitar a produção artística para comentar as questões históricas. Nasci na ditadura argentina e vi vários processos políticos e econômicos. Então, às vezes, aparece mais ou menos, depende do contexto”, observa.