Uma balada de amor sem fim na moda masculina
O bacana da vez é não se prender à roupa que dura apenas uma temporada, sustentabilidade e consumo consciente dão as cartas, além do contesto ousado
O homem é aquilo que ele quer ser, em uma balada de amor sem fim - clássico, envolto num terno de alfaiataria minimalista; moderno, a bordo de trajes apocalípticos; excêntrico, dono de combinações que levantam olhares de questionamento ou apenas um sujeito normal, com sua camiseta branca arrematada por um jeans surrado.
Cada vez mais fica evidente que a moda nada contramão doa próprios modismos. Vestir-se identicamente a um catálogo de marca famosa não é prova de elegância, mas sinal de que falta algo essencial aos seu estilo: personalidade. E é aí que as grifes autorais autorais conquistam seguidores que querem fugir do mainstream. Se o presente aponta uma direção sem volta, o futuro, goste ou não, será território de todes.
BOLD STRAP
Cores cítricas e vibrantes, tecidos pretos com brilho, um toque de látex e vinil, transparências, recortes, franjas e uma vibe metálica. Assim é a Bold Strap, assinada pelo diretor criativo Peu Andrade. A marca surgiu em 2018, a partir de um gap no mercado em relação aos jockstraps – aqueles looks com acessórios de fetiche, que ficaram populares com a série da tevê Globo, “Verdades Secretas”. “Os produtos, inspirados em códigos da cultura queer, são desenhados e produzidos em São Paulo, e a Bold Strap celebra a diversidade e a liberdade de ser, em suas diferentes formas e fantasias.” Dos pilotos de jockstrap até o momento, a brand ampliou o leque criativo, fabricando roupas e acessórios para os adeptos do mood.
Na passarela, a Bold foi abraçada por um público predominantemente gay. Mas ela foi além e se conectou à identidade de gênero e à teoria queer. A ideia é aplicar uma pegada sexy e fazer as pessoas se sentirem empoderadas. Dos croquis aos acabamentos, os planos saem da cabeça do sergipano Peu, que inclui no roteiro de criação chicotes, algemas e coleiras. O pulo do gato foi transformar as roupas fetichistas em artigos da alta moda. Cada item é pensado para abraçar a pluralidade. “A atitude bold se traduz em pessoas únicas, que causam impacto por onde passam e se expressam livremente para deixar a sua assinatura no mundo”, diz. São essas impressões que pintam o enredo de um ateliê que tem a ousadia como matéria-prima principal.
SIODUHI STUDIO
A palavra indígena que dá nome à label tem significado etimológico simples: “Nascer dentro”. Para Sioduhi, do povo Piratapuya, do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, o vocábulo vai além das fronteiras das aldeias. É a identidade da marca criada em 2020, e que desenvolve itens agêneros, casuais, com alfaiataria esportiva e utilitarismo. Em toda a cadeia produtiva, ele enfatiza a participação de indígenas e de LGBTQia+. “Temos profissionais das etnias Piratapuya, Kali’na, Tukano, Tariano, Baniwa, Dessano, Kariri, Akroá-Gamella, Potiguara, Mura e Tupinambá.” A equipe mescla a inspiração nos povos originários à ancestralidade e ao futurismo. “Utilizamos elementos naturais e reciclados, com tingimento não agressivo e bioimpressão, e mão de obra local.”
Há dois anos, ele usa a tecnologia “Maniocolor”, corante têxtil biodegradável à base de casca de mandioca. Instalado em Rio Branco, no Acre, o jovem mostra que é possível casar métodos priscos com cortes modernos e elegantes. Sioduhi se destaca com a energia das peças de tonalidades diversas, entre o branco e os beges, o preto e os magentas, que circulam e acolhem indígenas e não indígenas, que vivem entre os dois mundos e podem se encontrar em território único. Sioduhi fala a língua desses universos: a tukana e a portuguesa. O seu nome pode ser traduzido como “aquele que carrega o espírito ancestral de um baiá” (o cantor das cerimônias sagradas do Alto Rio Negro). O seu povo, conhecido como “gente-peixe”, é reverenciado na logomarca do estúdio.
DONI PROJECT
A marca está na segunda coleção, mais madura e mais atrevida, e agora questiona o que é a masculinidade nas peças feitas de linho que compõem as séries Lowa e Harry; no blazer regata estruturado Jão; nas calças Brooklyn, que levam tecido de alfaiataria com aplicação de lurex; e nas camisas de seda e de organza estampadas por arabescos, florais, holografias e os amados (ou contestados) animal print. Os recortes, o brilho, as transparências e o movimento reforçam o melhor do estilo pessoal do mineiro Donizetti Oliveira, também diretor criativo da grife feminina Kylie Co., e se abrem para as suas experimentações na moda masculina.
Radicado há quase uma década na capital paulista, ele conta que a ideia de elaborar a Donni Project nasceu do pedido de vários amigos para que ele criasse esse vestuário exclusivo, inovador e divertido. “O projeto aqui é autoconfiança, é dar ao homem a liberdade de vestir o que quiser, sem rótulos”, enfatiza. Pronto para dar start à próxima campanha, ele avisa que as edições devem ser limitadas e que o foco está mirado nos ambientes virtuais. “O próximo passo é expandir o e-commerce e aumentar o engajamento nas redes sociais. No mais, a gente segue no caminho de trazer ao mercado uma moda forte e autêntica.”