Andreas Kronthaler fala sobre sua arte e o legado da rainha Viv
Aluno e posteriormente marido de Vivienne Westwood, o diretor artístico da marca britânica fala de sua relação com a arte e com o legado da rainha Viv
Ele escolhe suas palavras com cuidado, para de bom grado a fim de refletir antes de responder e se dirige a você com uma gentileza que nunca sai de moda. Esse austríaco inicialmente formado em ourivesaria conheceu Vivienne Westwood na Universidade de Artes Aplicadas de Viena, onde ele estudava design industrial. Um encontro que o levou a procurá-la em Londres no ano seguinte. E a desposá-la em 1992, depois da coleção primavera/verão de 1991, Cut & Slash, que marcou o início de sua colaboração artística, somente interrompida pela morte da Dama Viv, em dezembro de 2022. Atualmente, Andreas Kronthaler é o diretor artístico da marca, que perpetua a tradição iconoclasta de sua fundadora. Às vésperas de uma série de eventos internacionais, entre os quais uma exposição de joias que será inaugurada no outono na China antes de ir para a Europa, a marca expõe sua fiel paixão pela arte, paixão que Andreas partilhava com a esposa.
L’OFFICIEL Qual é a sua experiência pessoal de arte?
ANDREAS KRONTHALER Tenho dificuldade de falar sobre isso. Há pessoas que certamente sabem muito mais do que eu. Digamos que a arte é para mim algo essencial e que eu não consigo viver sem ela.
L’O É uma presença cotidiana?
AK Eu tento consagrar o máximo de tempo possível à arte. Acabei de visitar a exposição "Frank Auerbach: The Charcoal Heads" no Instituto Courtauld, em Londres [aberta até 27 de maio - N. do E.], na qual descobrimos como o artista representava seus amigos em carvão.
“A HISTORIADORA Janet Arnold PUBLICOU, NO FIM DOS ANOS 1980, O LIVRO Queen Elizabeth’s Wardrobe Unlock’d, emblemático PARA NÓS.”
L’O Há um artista ou um período de que você goste?
AK Difícil responder, mas talvez eu prefira a pintura, principalmente a óleo, e de todas as épocas. Há dias de sorte em que você olha qualquer coisa e aquilo entra em você, toca você. Outras vezes, passamos do lado sem prestar atenção. Mas, mesmo nesse caso, é sempre bom gastar um tempo em um museu ou em uma galeria, pois são lugares tranquilos, onde é mais fácil entrar em contato consigo mesmo.
L’O Qual é a influência da arte no universo de Vivienne Westwood?
AK Muitas coleções foram inspiradas pelo século 18, um período crucial em diversos aspectos e querido por Vivienne. O corset nada mais é do que uma reinterpretação dos espartilhos do século 18, atualizado pelos elásticos nos quadris. Ela os inventou nos anos 1980. Há referências frequentes ao período elizabetano. Graças aos retratos de época, a historiadora Janet Arnold publicou no fim dos anos 1980 o livro Queen Elizabeth’s Wardrobe Unlock’, emblemático para nós.
L’O A próxima coleção de inverno também inclui fortes referências à arte?
AK Certamente. Eu estava em Milão e visitei a exposição dedicada a Giovan Battista Moroni, um pintor renascentista cujo trabalho eu já tinha tido a oportunidade de admirar em Londres, pois seu célebre Sarto está exposto na National Gallery. Na época, copiei o modelo e o fiz em couro, mas depois o esqueci. Encontrar-me diante de Moroni desencadeou a atmosfera da estação. Até aquele momento, eu tinha tido dúvidas sobre a maneira de desenvolvê-la; depois, subitamente compreendi que deveria retomar o tema de suas obras, mas com uma abordagem diferente. Moroni marcou a história pela maneira com que ousou retratar pessoas normais, não somente reis e rainhas.
L’O E falando em audácia, que sentido você dá a essa palavra tão próxima da estética Westwood?
AK Talvez hoje em dia não conte tanto a aparência quanto a maneira com que se aborda a vida. É bem diferente de 20 anos atrás. As pessoas se encontram nas redes sociais, não cara a cara. Evoluímos para outros níveis. Hoje me preocupa muito saber em que elas acreditam.
L’O Vivienne e você frequentavam o mundo da arte?
AK Nós íamos aos museus frequentemente, ela passava bastante tempo estudando o que estava diante dela. Eu, ao contrário, era muito mais rápido e, no fim da visita, conversávamos sobre o que tínhamos visto. Ela sempre perguntava: “Que obra você salvaria se houvesse um incêndio?”.
L’O A relação de vocês era extraordinária. O que você acha que deu de importante a ela?
AK Vivienne apreciava muito meu ponto de vista, a maneira incomum como eu via as coisas. Ela me achava muito original, e eu posso dizer o mesmo dela. Mesmo quando ela abordava um tema de um ponto de vista completamente diferente do meu, ou mesmo de maneira oposta, nós éramos complementares. No trabalho, ela tinha uma tendência de adicionar camadas, até decidir o que fazer. Eu, ao contrário, ajo por subtração, para chegar ao essencial. Se vocês se encontram no meio do caminho, o relacionamento é muito satisfatório.
L’O Qual é o grande legado que ela deixou para você?
AK Eu diria que a sua divisa: comprar menos, escolher bem, fazer durar. Seu engajamento, tanto como estilista quanto como ativista, está aí.
L’O Você não se sente obrigado a levar em frente a luta de Vivienne pelo meio ambiente e pelos direitos do homem em um contexto internacional tão complexo e sombrio?
AK Sim, eu sinto que devo continuar, ter consciência da situação, não ignorá-la. Nós devemos sentir o que nos rodeia, filtrar tudo isso e fazer nossa parte no que for possível.
L’O Por que os jovens gostam tanto de Vivienne Westwood?
AK Vivienne era uma heroína corajosa. As pessoas sentiam quanto ela não tinha medo de fazer ouvir a sua voz. Ela dizia o que pensava.
L’O Que mensagem ela poderia transmitir às novas gerações?
AK Ela falava sempre da importância de aprender as lições da história. Ela podia voltar séculos, até mesmo milênios, e dali extrair uma grande inspiração.
L’O Como você enxerga o futuro da marca?
AK Várias atividades estão prestes a serem lançadas, mas eu gostaria de antecipar o seguinte: nós temos uma exposição dedicada a nossas coleções de joias, que apresentaremos em Xangai e em Macau no outono. Depois a levaremos para a Europa, em 2025.
L’O Vamos voltar à arte: você gosta de visitar a Bienal de Veneza?
AK Tenho uma forte ligação com esse evento. Eu tinha 16 anos quando eu e um amigo decidimos visitá-la. Foi minha primeira viagem. Não tenho lembranças precisas, a não ser o momento em que, no pavilhão central, entrei em um salão de exposições dedicado a Brancusi. Eu não conhecia nada dele, mas suas esculturas mudaram minha vida. E Veneza é um lugar tão incrível, é o lugar perfeito para apresentar a arte. Estive lá recentemente e tenho um conselho a dar aos seus leitores.
“VIVIENNE ERA UMA HEROÍNA corajosa. AS PESSOAS SENTIAM quanto ELA não tinha MEDO DE FAZER ouvir SUA VOZ. Ela dizia O QUE PENSAVA.”
L’O Qual?
AK Não percam as seis incríveis pinturas do século 16 feitas pelo artista Vittorio Carpaccio, perto da catedral, no distrito de Cas tello, entre a Praça São Marcos e os jardins da Bienal.
