Moda

Gherardo Felloni, da Roger Vivier, em entrevista exclusiva

Confira entrevista exclusiva com o designer Gherardo Felloni para a L'Officiel Itália

Roger Vivier
Roger Vivier

Ao longo da história da moda, pudemos nos encantar pela trajetória de diversos designers de sapatos. Desde os mais ousados e inovadores, até mesmo os mais tradicionais e clássicos. Após conhecer de perto o trabalho e a visão de Pierre Hardy, da Hermès, e Paul Andrew, da Ferragamo, chegou o momento de desvendar a visão de Gherardo Felloni da Roger Vivier.

  

Diretor criativo da grife desde março de 2018, o italiano começou a trabalhar muito jovem com Fabrizio Viti na Helmut Lang. Depois disso, se tornou assistente de Fabio Zambernardi na Miu Miu, onde passou 10 anos; em 2009 foi para a Dior, para regressar após cinco anos à Miu Miu.

  

Para ele, a Maison fundada em 1937, adquirida por Della Valle em 2001, sempre foi um ponto de referência, não só pelo icônico decote com fivela cromada oversized criada em 1965 para a coleção Mondrian de Yves Saint Laurent, mas também pela a inventividade inesgotável do fundador, criador do salto Boule em strass e também do salto agulha, e cujos modelos seduziram Marlene Dietrich, Elizabeth Taylor, Jackie Kennedy bem como a Rainha Elizabeth.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

L'Officiel Itália: Seus pais eram donos de uma fábrica de calçados... Sua paixão por calçados teve origem aí?

Gherardo Felloni: É verdade que aos quatro anos eu ia jogar na fábrica, mas foi na Prada que percebi que gostava de calçados, porque eles têm um poder enorme na silhueta: não há vestido sem o sapato, trocar o sapato troca o caráter, a proporção do vestido e a atitude da mulher. O porte da atriz depende do sapato. Eu vejo a grande diferença em toda a atitude de uma atriz que tira o salto alto para fazer um close-up.

 

LOI: O que significa para você trabalhar para Vivier?

GF: Vivier sempre foi uma inspiração absoluta, entrar em seu arquivo era meu sonho secreto. Não teria existido o New Look sem o sapato de Vivier, com bico e salto agulha que você não poderia fazer antes. Foi ele quem inventou o salto de vírgula, o salto banana… Quando Catherine Deneuve calça os sapatos com fivela cromada em “Belle de jour”, Vivier muda a silhueta dos anos 60, com um sapato confortável e redondo desenhado para caminhar. Hoje consideramos elegante, na época era casual. 

 

Gosto de dizer que tenho sorte, a marca combina comigo, existe uma espécie de alquimia entre a minha imaginação e a de Roger Vivier. Assim como eu, ele amava cinema, teatro, admirava Joséphine Baker embora ela nunca tenha sido cliente dele. Para contar sobre meus sapatos, uso atrizes, não modelos, estou interessado na personalidade do usuário.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

LOI: Na verdade, para comunicar a marca você fez shorts com a própria Deneuve, com Susan Sarandon, com Christina Ricci.

GF: Sempre amei a Christina. O único vestido que imaginei na minha vida foi para ela, para o jantar do Oscar. Eu o fiz em um ateliê em Paris, com um colarinho de camisa abotoado, como eu o uso para me permitir usar meu collier, verde esmeralda e vagamente vitoriano porque ela é tão inerentemente gótica, (veja seus papéis mais famosos, “The Addams family” para “Sleepy Hollow”). Bordado com cristais pretos e com cauda.

 

LOI: Você começou com sapatos, mas já desenha bolsas e joias há anos. Você já pensou em uma cápsula de roupa?

GF: Adoraria. Comecei a criar bolsas e joias na Miu Miu, mesmo que a transição do calçado para a bolsa não seja natural e nem dada como certa. No sapato você entra, muda a sua silhueta, na bolsa você coloca coisas. Quanto às joias, sempre gostei de fazê-las. Na verdade, é a minha maior diversão de todos os tempos.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

LOI: É verdade que sua paixão por joias veio até você ao observar Manuela Pavesi? 

GF: A Manuela era simplesmente hipnótica, tinha a capacidade de vestir qualquer coisa e torná-la totalmente contemporânea. Pegou num colar dos anos 1800, combinou com uma jaqueta da Nike e sapatos cunhas. Foi ela quem me mandou para a histórica joalheria Pennisi, onde comecei a comprar minhas primeiras joias.

 

LOI: Você trabalhou com criativos excepcionais. O que resta de cada um deles?

GF: Com o Viti aprendi a conceitualidade; com Helmut Lang, que é um gênio, entendi que a ênfase no produto, no savoir faire, não fazia sentido. O que realmente importava era a conceitualidade, ainda mais parecida com a dela, nunca dramática, pesada, mas maravilhosamente leve como em seus jeans sujos de pintura. 

 

Com Miu Miu aprendi a beleza dos opostos e abandonei qualquer abordagem esnobe da beleza, afinal Miuccia Prada foi a primeira a ver a beleza no lixo, trabalhar para ela foi um longo exercício de elasticidade mental. 

 

Com o Galliano aprendi velocidade e entendi o que era glamour, palavra que odeio, mas era um glamour exagerado e sublime, como cenógrafo totalmente distante da realidade. Pelo contrário, Raf Simons queria tornar tudo real.  Lembro-me de seu primeiro desfile de alta moda, foi maravilhoso: ele queria modelos com as mãos no bolso e sapatos confortáveis. Com ele aprendi o que é leveza, diria que Raf encontrou força na leveza. 

 

Com a minha segunda experiência na Miu Miu aprendi a gerir uma marca e fui uma das poucas pessoas que teve a oportunidade de se expressar dentro do grupo Prada. Sou extremamente grato por isso.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

LOI: Voltando ao Vivier, qual é o modelo mais significativo do Outono/Inverno 2020-21?

GF: As botas over the knee. Eu poderia contar para vocês que eram aquelas com os bordados de penas e cristais, mas na verdade essas botas em geral. Vivier os inventou e Brigitte Bardot incorporou seu espírito com perfeição. Era 1967, 1968, essas botas que iam até as coxas capturavam o desejo de mudança e emancipação do momento. Imagino que Vivier tenha se inspirado nos cortesãos do século 18, de qualquer forma eles não existiram antes dele. A cada temporada que tento reinterpretar um tema característico de Vivier, tenho a sensação de que essas botas estão desaparecidas há muito tempo.

 

LOI: Anteriormente, você mencionou o arquivo de Vivier. Como é?

GF: Imenso. E até a Dior, para a qual Vivier trabalhou de 1953 a 1963, possui uma enorme. A princípio mergulhei nela, mas definiria a minha como uma relação casual: nunca trabalhei com vintage porque é antigo. Gosto de lembrar o trabalho dele, já o vejo há 20 anos nos livros, nunca levo modelos antigos nas mãos.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

LOI: Para dizer o mínimo, você não acha que existem muitas semelhanças entre os sapatos das grandes marcas de luxo?

GF: O sapato é um objeto pequeno, feito de pequenos detalhes, onde a diferença é feita pelos milímetros. Uma diferença infinitesimal no decote de um pump muda tudo, é um jogo de precisão e olho. Espero que um modelo Vivier seja sempre reconhecível como tal.

 

LOI: E chegamos aos códigos da Maison...

GF: Comecei a trabalhar aos 18 anos, e entender como transmitir suas ideias aos outros é a coisa mais complexa. Tenho uma grade em meu cérebro com tudo que Roger Vivier deve sempre ter e o que nunca deve ser. Deve haver sempre um componente irônico, um modelo nunca deve ser enfadonho, nunca trivialmente escuro, para mim o preto é uma cor! Não deve haver tristeza, nem nada de lixo, qualquer detalhe de mau gosto deve ser digerido novamente. E depois, claro, todo o savoir faire, conforto, leveza de Della Valle …

 

LOI: E quanto à sustentabilidade?

GF: Em comparação com aqueles que me precederam, apresentei uma forma de trabalhar com muito menos protótipos. Mas eu diria que uma Maison de nicho é sustentável por definição, basta pensar que produzimos cuissardes praticamente sob encomenda.

Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)
Roger Vivier
(Foto: Reprodução/Instagram @rogervivier)

Tags

Posts recomendados