Moda

Karoline Vitto e Carlos Penna: a collab-fusão entre roupas e joias

Karoline Vitto, que já usava estruturas metálicas nas suas peças, abraçou a criação de Carlos Penna numa collab-fusão de roupa-joia

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Foto: Franklin Almeida.

Karoline Vitto e Carlos Penna são dois criadores de moda que vêm desafiando o óbvio nos seus campos de trabalho em caminhos que corriam paralelamente. Até agora. Ela, radicada em Londres, tem brilhado com roupas escultóricas possíveis que abraçam diferentes corpos com conforto. Ele, designer de acessórios mais importante do momento no Brasil, tem feito o mercado nacional rever suas estruturas criativas. Ela traz sua marca para cá em 2025. Ele abre um plano de expansão internacional depois de marcar presença em desfiles ao redor do mundo. Na última temporada de Londres, o meio do caminho que uniu ambos veio à tona: Vitto, que já usava estruturas metálicas nas suas peças, abraçou a criação de Penna numa collab-fusão. Um encontro quase inevitável, que remexe a ideia de roupa que é joia que é roupa-joia

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Karoline Vitto e Carlos Penna - Foto: Divulgação.

L’OFFICIEL Karol, você usa metal como parte da sua roupa desde que surgiu. De onde veio essa história? 

KAROLINE VITTO Acho que nunca contei isso antes em entrevistas… mas eu fazia dança do ventre na adolescência. Sempre fui muito acostumada com a ornamentação da roupa, o metal e seu barulho. Cresci com isso. Acho que vem um pouco daí, se olharmos para o passado. Quando a marca começou a se firmar de verdade, o meu design sempre teve um aspecto ornamental – mas, também, clean. Acho que o metal trouxe muito isso, essa fusão da forma com o barulho, com o peso da peça. E é algo que me possibilitava uma pureza de formas, ao mesmo tempo. Até de maneira meio contraditória, que não é clean, mas também não é megadecorada. Quando a marca apareceu, começamos a usar esse metal no sentido decoratório – uma forma de isolar uma parte do corpo e dar destaque a ela, como se trabalhássemos com uma joia. Como você faria com um brinco, por exemplo, para chamar atenção para o pescoço: vamos decorar essa área para trazer o olhar. No cerne, o objetivo era criar essa moldura. Depois veio o sentido prático da junção do metal com a malha, que possibilita um aspecto tátil e 3D que não se consegue trabalhando com o tecido puro. Ele cria um aspecto escultural de que gosto muito. E eleva a malha, um tecido que muitas vezes é considerado simples, para um palco muito maior.

 

L’O Como foi o processo para resolver essa junção da malha com o metal? 

KV Levou um tempo até resolver tudo de um jeito bonito. Antes de existir como marca, foi uma das primeiras coisas que comecei a pensar, esses acabamentos. Até chegar a este momento, tendo desenvolvido todos os recursos necessários… Hoje, muitos dos túneis, dos canais, dos drapeados que usamos nas peças, há um arquivo de soluções, nossos códigos próprios. Imagino que como foi para o Carlos, de entender essas ergonomias dos acessórios, as ligas metálicas diferentes e as possibilidades que elas abrem. 

 

L’O Carlos, do seu lado: como você chegou a esse jeito de trabalhar, com um caminho estético tão forte e com foco no material? 

CARLOS PENNA Eu nunca acreditei muito na rigidez total do metal. Acho que a primeira coisa que vem, desde sempre, é a busca de novas ligas e novas histórias que possibilitem a ideia do material que se consegue manusear. A maioria das matérias-primas que uso hoje não é das tradicionais do mercado de acessórios. Fazemos uma pesquisa, de coisas industriais ou mundanas, para chegar ao que apresentamos. E tem muito disso do escultórico, de quem usa poder interferir na forma. Há uma busca atrás dessa matéria não rígida, no trabalho todo, desde o início da marca. A nossa primeira coleção se chamava Mutação – era possível mexer, manusear tudo. Sempre me interessei pela possibilidade de as peças se transformarem. E carrego isso até hoje. Em toda coleção, pelo menos uma parte é maleável, ajustável. Se não tem, as clientes até estranham.

 

L’O Quando cita esses materiais não tradicionais, fala apenas sobre o metal? 

CP Não, em tudo. Temos uma pesquisa realmente industrial, a maioria das matérias-primas tem outras origens. A nossa borracha vem de processos automotivos. E, no metal, não usamos os convencionais do setor. Não é só o latão, por exemplo. Tanto que os nossos brincos, mesmo grandes, são muito leves. Mesmo o nosso cobre não é o cobre comum, esperado – é mais maleável, tem durabilidade muito maior. É um estudo imenso de década, até chegar a essas soluções.

 

L’O Em que momento aconteceu esse match, finalmente? 

KV Eu já conhecia a marca do Carlos, já tinha ido à loja, mas não tinha colocado, na prática, junto com a minha roupa. Então foi no começo de 2024, quando estava no Brasil para gravar o vídeo que mandamos para o LVMH Prize e usamos peças do Carlos para complementar os looks. Nesse momento, o casamento das roupas com os acessórios… foi um casamento perfeito. O desenho do metal e as linhas refletiam similaridades, era parecido com os nossos recortes, as curvas. Então era mais do que natural, precisávamos fazer algo juntos. Nós nos falamos, começamos a trocar ideias virtualmente. Em março, fizemos uma imersão em São Paulo – Carlos apresentou diversas opções de metais, acessórios, fios. Pegamos um manequim e ficamos ali, exercitando. 

CP O processo dos dois é extremamente tátil. Então era preciso esse encontro para ver as possibilidades, as malhas, era algo que ambos tinham que estar juntos. Com Karol foi a primeira vez que tive uma troca criativa em uma escala interessante. Foi uma collab real, um entendendo as técnicas criativas do outro, um estudo intenso, evoluindo ideias. Eu mesmo nunca tinha trabalhado com peças cromadas, que têm uma durabilidade maior do que um banho normal – é algo que não se vê em joias, mas em torneiras. 

KV Acho que esse é o legal do processo. Muito do que faço na marca vem de uma coisa bem industrial. Como olhar a fabricação de uma mola para entender como são feitas certas coisas. E uma fábrica de molas, convenhamos… não tem nada a ver com vestuário. Passamos por um lado meio brutalista da história. 

CP É muito sobre essa pesquisa, mesmo. Não é fácil colocar metal numa malha. Olhando o resultado, até pode parecer algo trivial – mas não é uma junção fácil. Pede um cuidado gigantesco porque a malha pode rasgar; se colocar uma densidade maior, o metal puxa e distorce tudo. 

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Foto: Franklin Almeida.

L’O De onde vinha o seu metal antes, Karol? 

KV Trabalhava com uma designer de Londres, que fazia tudo manualmente – até que sofreu um acidente e não pôde mais. Depois, comecei a trabalhar com essa fábrica de molas que topou entrar na história. Mas é como Carlos falou, o processo tátil faz toda a diferença. Assim como as minhas modelagens de malha e as peças dele, às vezes você vê aquelas formas e tudo vira um ponto de interrogação – até enxergá-las encaixadas no corpo. Temos muito disso em comum, essa ideia de pensar na ergonomia final. 

CP Se você observar, às vezes nada parece fazer sentido. É muito sobre um pensamento de forma e função. Nós nos encontramos três dias ao vivo e foi interessantíssimo, pois ela já sabia como fazer, já puxava o metal junto com a malha. Esse processo durou até o dia do desfile – um dos looks foi refeito logo antes, na prática. É sempre assim, pensar até resolver. E, ao chegar ao fim, ver que não é só função, mas carrega uma questão estética. Faço muitas collabs, trabalho com muitas marcas, mas são poucas com quem realmente divido processos. Isso é legal, pois muda tudo na criação, vira um trabalho que é fundido – tão meu quanto dela, é dos dois. Não dá para separar, apontar quem é mais importante. É uma troca total.

 

L’O Carlos, para você, estar no processo da construção da roupa, de fato, foi uma novidade completa? 

CP Foi. Todos os metais que tinha feito para roupas, antes, precisavam se encaixar em ideias já estabelecidas. Ou na marca própria de vestuário que tive, a P.O.R., a presença do metal era muito pontual. Eu me envolver na construção, entender de fato onde e como colocá-los, foi a primeira vez. Não era algo apenas decorativo. 

KV Isso diferencia muito. Não é como um broche, que se coloca para enfeitar. Ali, se o metal não funcionasse, a roupa literalmente cairia – ele é essencial. 

CP Conversamos muito online para ajustarmos necessidades. E sempre nesse pensamento novo, para mim, de que os metais fazem parte da construção. A grande diferença é que não foi uma encomenda, foi uma troca de olhares. Karol, assim como eu, mas nos processos dela, já sabe lidar com o metal. Trabalhar com uma mistura de materiais é sempre difícil. Se fosse com outra pessoa, provavelmente não ficaria tão bom o resultado. 

KV Fico pensando se, em vez de três dias, tivéssemos duas semanas com os dois trabalhando juntos ao vivo, se as duas estruturas estivessem no mesmo lugar, o que poderia ter sido realizado. 

CP É… é um processo muito manual, não adianta. Foi uma experiência ótima, esses dias que tivemos juntos aqui e os dias antes do desfile, em Londres – que mudamos muita coisa. Além do resultado estético, era ver a construção acontecendo e entendendo onde poderíamos refinar.

 

L’O Essa adaptação aconteceu do seu lado também, não é, Karol? Mas de uma forma mais libertária, sem precisar lidar com uma fábrica de molas.

KV Exato! Não estava mais conversando com o John Smith, me dizendo o que dava ou não dava para fazer por e-mail. Foi maravilhoso encontrar alguém com uma cabeça parecida com a minha para criar junto. Que, como eu, trabalha muito com o material, não é tanto do desenho e gosta de experimentar em três dimensões. Isso abre outros horizontes. Só de o metal ser maleável, poder ser ajustado, para a história das roupas – e a nossa história de adaptá-las para diferentes formatos de corpo – foi um match muito bom. Está sendo. 

CP Foi um processo de adaptação. Uma semana antes do desfile, quando nos reencontramos ao vivo e tudo começou a tomar forma de verdade, apareceram várias ideias novas que vão ser exercitadas na próxima collab. Era tudo novo. Foi a primeira vez que deixei os acessórios de corpo, brincos e pulseiras e afins, para serem criados por último, pois eles precisavam fazer sentido na história toda.

 

L’O Karol, você está abrindo caminho para uma fase nova de marca, certo? 

KV Sim, especialmente com essa movimentação de trazer o nosso trabalho para o Brasil. Era um desejo de tempos, e acabamos fazendo o caminho inverso: em vez de começar a marca aqui e internacionalizar, comecei em Londres e agora estou nacionalizando. Estamos focadas em utilizar processos e trabalhar de maneira um pouco mais industrial, o que está bem interessante. Nosso processo, lá, sempre foi muito artesanal – o que é lindo, mas tem seus limites. O trabalho de ateliê é muito mais demorado e mais custoso e exige muito do contato com a pessoa que vai vestir, complicando atender alguém no Brasil ou em qualquer outro lugar. O objetivo é trazer a nossa moda para um lugar em que as pessoas consigam experienciar e viver nessas roupas. Desde março começamos esse processo longo de traduzir a marca para a realidade daqui. Achar correspondentes para a malha italiana que uso lá, que tivessem um caimento parecido ou até melhor. Encontramos fornecedores com propostas sustentáveis, o que é muito bom. O nosso jeans tem 75% menos água na produção, a malha tem um processo de dry cleaning, com um tingimento que é muito mais circular. São agendas que queria cumprir e são um pouco mais difíceis de alcançar lá fora. E agora temos a nossa manufatura aqui, com a primeira coleção que chega oficialmente em março. É interessante, pois criamos um processo totalmente industrial, mas feito por uma fábrica que é superfamiliar. Fizemos essa ponte de trazer para o Brasil algo que era feito em ateliê, de forma pequena, numa empresa que mantém uma cara de algo feito de maneira cuidadosa.

 

L’O É a mesma coleção? 

KV Tem de tudo um pouco. Trouxemos alguns best-sellers e algumas peças que reimaginamos para o mercado brasileiro, além de propostas novas. Trabalhamos com uma variedade de momentos, para o dia e para a noite, com tecidos de pesos diferentes. Tem esse foco, digamos, mais comercial – com que não precisava me preocupar tanto quando trabalhava numa vivência de ateliê, da passarela, do sob medida. É para que as pessoas consigam consumir o universo Karoline Vitto, mas de uma maneira bem vida real para o mercado brasileiro.

L’O Esse último desfile em Londres também alcançou um buzz diferente, não? Depois de ser indicada ao LVMH Prize e tudo o que aconteceu. 

KV É difícil de mensurar, estando dentro da história. Mas imagino que sim. 2024 está sendo um ano em que as coisas começaram a borbulhar dentro da marca. Desde setembro de 2023, na verdade, quando apresentamos a coleção com a Dolce & Gabbana. Aí rolou o Latin America Fashion Awards, em novembro – que ganhei e foi incrível. O melhor foi conhecer tantas pessoas, me conectar com os criativos brasileiros que só conhecia pelo Instagram. Em fevereiro passado, demos uma pausa quando a marca foi para o LVHM Prize – que também foi uma superoportunidade de nos conectarmos com outras marcas, abrirmos pontes para outros processos. Esse último desfile teve um grande apoio da imprensa, foi um momento muito especial. Agora estamos caminhando para um lugar em que, felizmente, o trabalho está mais reconhecido. É o momento de trazê-lo para cá. 

 

L’O Dentro desse processo, você tem sido colocada automaticamente na caixinha da inclusividade, sobre a roupa que veste corpos diferentes, a marca que coloca modelos fora do padrão na passarela. Sempre que falam sobre seu trabalho, o discurso parece inevitável. Isso incomoda você? 

KV Sim. E muito. Pois o trabalho é sobre tanto além. Quando começamos a marca, esse assunto ainda era muito pouco explorado na prática. Ainda hoje, há poucas marcas que realmente trabalham com inclusão de tamanhos – e sabemos que, a cada estação, os números nas passarelas ficam mais alarmantes. Mas todas essas marcas, que trabalham com inclusão ou que carregam esse tópico de maneira forte… todos estamos cansados de que esse discurso ainda seja tão necessário. Óbvio que só posso falar por mim, mas a ideia é que a roupa sirva a um indivíduo, que vem em vários tamanhos e formas. Como o Carlos, que tem as suas peças para servir ao corpo. Faço roupas para pessoas, que ficam boas em diversos corpos, tamanhos e idades diferentes. Ela funciona. O que me incomoda é ser usada para dar um checklist num assunto e pronto. Nesse último desfile, tivemos a collab com o Carlos – que era o maior ponto da coleção. Mas também trabalhamos com tecidos feitos à base de algas marinhas, num processo supermanual e precioso. Fiz uma collab de sapatos com a Tabitha Ringwood, uma designer inglesa. Eram tantos assuntos, que foram contados e ninguém falou sobre. Continuo sendo colocada no básico. E isso incomoda.

 

L’O Sente que isso atrapalha o crescimento do seu trabalho? 

KV Acho que sim, tanto que é um assunto do qual já evitamos falar tanto. As pessoas já sabem que, se for à Karoline Vitto, vai encontrar tamanhos muito além do P/M/G, que nossa grade é maior, nosso corte é maior. Esse assunto já está no DNA da marca. Em um contexto internacional, se você chegar a um lojista falando que tem uma grade extensa, a resposta será: “E daí?”. Ele está mais interessado é em ver uma roupa que venda para seus clientes. No fim das contas, ser colocada eternamente nessa caixinha atrapalha o crescimento da marca em alguns aspectos, pois muita gente ainda tem essa barreira. Especialmente em Paris, o lugar em que mais sinto esse bloqueio das lojas e da imprensa. Então vale muito mais a pena mudar de assunto, mostrar o design, a proposta, os materiais. No Brasil, tenho sentido a conversa diferente: as lojas sabem que têm a demanda por tamanhos maiores e que precisam deles. Lá fora, há o interesse da imprensa, mas as lojas ainda têm resistência. Por isso digo que essa classificação prejudica o potencial de crescimento, a entrada em certas lojas. Pois a história da inclusividade chega antes da criação.

 

L’O Carlos, você também está numa nova fase, em várias camadas. Não só por ser um criador brasileiro que desfilou em praticamente todas as grandes Fashion Weeks, em apenas uma temporada, mas você tem posto em pauta o peso do design de acessórios dentro da moda. Como está essa discussão? 

CP Desde o início da marca, dez anos atrás, o crescimento foi muito orgânico. E bate um pouco no mesmo ponto que Karol disse, de ser colocado em definições. No começo, eu era considerado minimalista – agora, sou maximalista. E só. É muito sobre como se é encaixotado. O meu traço é o mesmo, ainda que evoluído. Mas vamos crescendo e adquirindo maturidade e, nos últimos anos, me veio essa questão de como as pessoas encaram e encaixam a história dos acessórios: eles não podem ser relegados a um segundo plano. Criação de acessórios é também moda, não pode haver uma separação. Pense em um desfile: a imagem não é só o vestuário. Os sapatos e as bolsas, os brincos, as pulseiras, enfim, são essenciais. Muito se põe como o vestuário é o lugar de excelência principal e o resto, mero ornamento. Quanto mais a marca vai crescendo, mais tenho querido deixar bem claro que estamos indo para um pensamento mais amplo. Não é que estou deixando de ser um designer de acessórios, mas que consigo ir a outros lugares que também são moda e, em paralelo, como isso tem que ser visto. A Carlos Penna participou de 18 desfiles em 2024. Além da SPFW, estivemos presentes em Nova York, Milão, Paris, Londres e Copenhague. Praticamente todas as principais semanas de moda. E não como meras inserções comerciais, que seria o caminho mais fácil. Construímos narrativas únicas com todas as marcas de vestuário com quem desfilamos. O acessório sempre tem uma junção total com a roupa. Daí culmina no trabalho que fizemos com Karol: é moda, é roupa, é joia. É tudo junto. Eu já vinha fazendo experimentações que carregam linguagem de roupa. O que ela faz, já é uma roupa-acessório – e não só pelo metal. Essa separação não faz mais sentido.

 

L’O Essa resistência, colocando os acessórios como algo menor, sente que é da indústria ou do consumidor? 

CP Acho que é mais da indústria e da imprensa do que do consumidor. E estou falando sobre o mercado brasileiro especificamente, pois em outros lugares já há um entendimenmais maduro sobre o design de acessórios. Podemos pegar a cobertura sobre a nossa collab, por exemplo: essa história estava bem clara, divulgada de forma muito correta, e boa parte da imprensa nem se preocupou com o assunto. Não falo sobre uma questão de ego, de verdade, mas sobre a cadeia da indústria toda. Quem assina o desfile é o vestuário, mas quem fez as joias? Quem criou os sapatos? É uma questão de respeito em relação a uma história criada coletivamente. Além do designer de vestuário, frequentemente os outros criadores envolvidos são invisíveis. É toda uma cadeia jogada para um canto. É preciso bater nessa tecla. Em comparação, acho que o consumidor final está muito mais ligado e próximo de uma realidade de atenção e respeito. Tenho muitas e muitas clientes que já entenderam esse peso, que vibram pela nossa história. Tem muita gente que acompanha os desfiles e, digo a você, nem está interessada na roupa – quer ver as ideias que se propõe nessas outras “criações menores”.

 

“SOU MUITO DA forma. PARA CHEGAR A UMA QUE SEJA funcional, É PRECISO PURIFICAR O MATERIAL E CHEGAR A UMA BASE QUE SEJA simples – PARA, ENTÃO, construir EM CIMA. (...) SEMPRE COMEÇO PELO material MAIS SIMPLES, PARA TER ESSE ESPAÇO DE experimentação. (...) ACONTECE DE TERMOS UM MATERIAL MAIS luxuoso À DISPOSIÇÃO QUE não FICARIA TÃO BONITO DENTRO DA PROPOSTA.”

KAROLINE VITTO

L’O Olhando para a história de ambos, vocês têm esta discussão em comum: usar materiais triviais, tidos até como ordinários, e dar a eles um peso maior por meio do design. Como enxergam esse processo? 

KV Eu sou muito da forma. Para chegar a uma que seja funcional, é preciso purificar o material e chegar a uma base que seja simples – para, então, construir em cima. Claro, há momentos que pedem um tecido que tem mais peso, entendido como mais especial no imaginário popular em relação à malha. Mas sempre começo pelo material mais simples, para ter esse espaço de experimentação. E muitas vezes acontece de termos um material mais luxuoso à disposição que não ficaria tão bonito dentro da proposta. Muito por isso que trabalho com a viscose, que já chegou em um ponto que tem o peso e o caimento de uma seda, por exemplo, mas é um tecido vegetal com que, hoje, diversos fornecedores já trabalham de maneira circular e sustentável. Ela tem esse lugar do “tecido popular”, ligado a um dia a dia, que pode ser elevado a outro patamar na construção da roupa. Sempre volto à viscose, que dá esse aspecto de ter sido colocada no manequim, drapeada, e continua bonita – parecendo que até sem esforço. 

CP Desde o início da carreira, sempre trabalhei com objetos ordinários. O brinco feito com um prego foi a primeira peça da vida. Mas é engraçado pois, hoje, vejo tudo de forma diferente. Não classifico materiais como nobres ou ordinários, apenas como materiais – a forma que você vai usá-los é que dará o valor, por meio do design. Depende muito do que se quer propor; e isso vai muito além do valor financeiro. Cada material tem a sua função. A prata é boa para uma coisa, mas péssima para tantas outras que o latão resolve melhor. O ouro é bom… até certo ponto. Para o meu trabalho, para o que acredito, ele não dá a maleabilidade de que preciso. Então prefiro usar materiais que me dão a capacidade de desenvolver o meu trabalho. 

KV Exatamente isso. Essa história do luxo, do cuidado com a longevidade das peças, o valor que vejo em relação à matéria-prima: é muito mais sobre a tecnologia desenvolvida em cima e o que ela me traz. No Brasil, temos malhas desenvolvidas para aspectos e finalidades diferentes. Trabalhamos com uma que é fina e transparente, pensada para roupas mais leves, sendo usada num vestido de luxo. Vai além do valor monetário, depende muito de como você trabalha. 

CP Não adianta ter um acessório de ouro ou uma roupa de seda se não há design. Isso é luxo? Não é. Não se pode partir da ideia de que algo é caro e necessariamente bem resolvido, colocar o material antes do design. Tanto no trabalho da Karol quanto no meu e na nossa collab, a base é esta: saber manipular a matéria-prima para que ela funcione de uma forma impactante.

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Foto: Franklin Almeida.

L’O Essa parceria vai continuar? 

CP Sim. A ideia é trazer as joias que fizemos, agora no começo do ano. Depois, vêm as roupas de fato. Mas a conversa não parou no desfile – pelo contrário, ali fomos anotando ideias que abrem outros caminhos de amadurecimento, vários “e se?”. A própria palavra “collab” já ficou tão banalizada, mas é isto: é uma troca não só de marcas, comercialmente falando, mas de duas pessoas que se encontraram para construir algo juntas. 

KV E faremos outra história em fevereiro, novamente na London Fashion Week. Ainda não decidimos o formato, mas essa troca dessa collab definitivamente não foi algo pontual.

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Foto: Franklin Almeida.

FOTOS: FRANKLIN ALMEIDA.

DIREÇÃO DE MODA: MARCIO BANFI.

POR: EDUARDO VIVEIROS.

BELEZA: JOÃO BOENO (CAPA).

MODELOS: RAPHAELLA TRATSKE (WAY) E JÚLIA LOPES (MEGA).

STYLING: SAMARA BACCAR E TAINARA WOLLMER.

PRODUÇÃO EXECUTIVA: ALESSANDRA DELLA ROCCA.

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