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Maureen Murdock em entrevista exclusiva para a L'Officiel Brasil

A jornada da heroína! Um livro de atividades para mulheres se reconectarem com valores femininos, diminuídos na sociedade, é a proposta da escritora Maureen Murdock para fazer com que leitoras descubram sua importância, dentro e fora de relacionamentos.

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Harry Potter, O senhor dos anéis e Star Wars são três exemplos clássicos da jornada do herói, estrutura narrativa para contar uma história de superação e bravura, bastante explorada em cursos de roteiro e de cinema. Essa é a base dos estudos do mitologista, escritor e professor Joseph Campbell. Maureen Murdock, escritora e professora, que trabalhou com Campbell, resolveu se inspirar nessa estrutura já consolidada, apresentada ao público no clássico O herói de mil faces (1949), para criar uma visão feminina da teoria, colocando em foco a heroína. Em entrevista exclusiva à L’OFFICIEL, Maureen fala sobre como somos ensinadas a diminuir os traços femininos em sociedade e como isso é prejudicial para a saúde mental de quem tantas vezes não se aceita – sem saber o porquê.

Quais foram seus estímulos para escrever A jornada da heroína?
Minhas motivações para escrever esse livro envolveram a escuta das minhas pacientes sobre falta de autoestima e de empoderamento. Eu queria que elas entendessem que esse prejuízo sobre valores femininos é uma força social e não algo pessoal; e como isso prejudica a expressão, a autoestima e a confiança das mulheres. São estereótipos de tempos passados, como das décadas de 1950 e 1960, quando o parceiro saía para trabalhar e a esposa ficava em casa cuidando da família. Agora as mulheres trabalham fora, e ainda é esperado que organizem sozinhas as casas. O objetivo então é mostrar uma alternativa a isso, assim como introduzir conceitos do sagrado feminino não apenas para mulheres que estudam teologia feminina e espiritualidade.

Qual é o ponto de virada na vida de uma jovem que faz com que ela comece a se distanciar de uma imagem feminina positiva?
Existe uma ruptura da natureza da mulher perto dos 9 anos. Algo para que ela se adapte a uma cultura dominada pelo masculino, focada no intelecto e nas conquistas em vez da criatividade, da natureza e das relações, já que tais tópicos são vistos como incompatíveis. A sociedade patriarcal não respeita mulheres no geral, então muitas garotas sentem vergonha durante a adolescência, principalmente se a menstruação não é vista como algo natural para a família e em sua cultura. O patriarcado ensina jovens e mulheres a se envergonhar do corpo e de quem elas são.

Existe uma romantização da mulher sendo uma heroína, dando conta de tudo. Muito disso pelo acúmulo de funções (trabalhar fora e cuidar da casa e da família, tantas vezes sozinha). Como isso afeta o bem-estar mental e até físico?
É crescente o número de mulheres que estão estressadas, deprimidas e tendo quadros de burnout. São encaminhadas para terapia ou tomam remédios controlados, porque não podem fazer tudo, para si próprias e para os outros. Elas estão tentando suprir expectativas do entorno, da família e delas mesmas, porém sem o suporte da comunidade ou de políticas públicas. Isso não é saudável. É difícil nos protegermos desse desejo de perfeição feminina, pois estamos sendo constantemente bombardeadas por imagens de corpos perfeitos, roupas incríveis e relacionamentos sem defeitos. Somos pressionadas a parecer perfeitas dentro e fora de casa: cozinhar bem, ter filhos perfeitos, um marido ideal, etc. Os homens, por outro lado, não lidam com essa pressão da mesma forma.

É muito discutido como mulheres em dependência financeira passam a ser mais vulneráveis, inclusive eclodindo casos de violência de gênero. Mas não falamos muito sobre a dependência emocional. Ela também pode ser uma armadilha para o feminino?
Sim, certamente pode ser uma armadilha. Muitas mulheres são encorajadas a serem dependentes da aprovação de outras pessoas, a renunciarem a suas necessidades pelo amor do outro. É no ombro delas que está a expectativa de proteger os parceiros do seu próprio sucesso e autonomia. Uma mulher interrompe a carreira quando há uma demanda do companheiro ou de seus filhos, assim como quando o seu sucesso mina a “força” de quem está se relacionando com ela, como se ela não tivesse tanto valor assim. Todas estamos lutando com essa dependência emocional até termos consciência dela. Fomos socializadas, portanto, a dar suporte ao patriarcado.

É mais difícil para a mulher colocar limites?
Absolutamente. As mulheres querem ser desejadas e isso é muito sedutor. Então quando nos perguntam se podemos fazer algo, a primeira resposta é sim, para sentirmos que temos valor. Também não gostamos de desapontar os outros, o que dificulta dizer não. Eu mesma já precisei dar uma pausa e fui questionada por isso. Falaram que eu perderia a visibilidade se assim o fizesse. Só que precisamos fazer valer a nossa comunicação, principalmente quando chegamos ao nosso limite. Não é não.

Para você, o que significa ser uma mulher em equilíbrio? O que precisamos dosar para nos sentirmos mais plenas?
É difícil estar em equilíbrio com tanta demanda, o tempo todo, porém me sinto esperançosa com o recente foco do mundo ao meio ambiente, na Mãe Terra. Talvez isso nos inspire a entender como as qualidades femininas são vitais. O mundo precisa aprender a cuidar do planeta, assim cuidando do outro.

Qual é a influência do livro O herói de mil faces, de Joseph Campbell, em seu trabalho?
A ideia do arquétipo e de padrões culturais era novo para mim. Após trabalhar com Campbell, fui facilitadora de grupos mensais sobre a jornada do herói, para homens e mulheres, em Los Angeles. Isso durou um ano. Descobri então que os estágios da jornada masculina não completamente se endereçavam a questões femininas, entre necessidades e experiências. Então estudando mitos e ouvindo pacientes, desenvolvi o modelo da jornada feminina. Amo o trabalho de Campbell. Segue sendo inspirador e esclarecedor.

Você criou uma obra derivada de A jornada da heroína: um caderno de atividades.
Eu conduzi semanalmente um grupo de mulheres, por sete anos, para criar exercícios baseados em A jornada da heroína. Filtrei então as melhores atividades para compor o caderno, colocando em prática conceitos usados em meus treinamentos pelos Estados Unidos durante os anos 1980 e 1990.

Poderia dar aos nossos leitores um exemplo de atividade?
Um caminho é juntar-se a um grupo sobre sonhos, ou de rituais do feminino para honrar as estações e as fases da lua. Também é interessante se inscrever em um curso de arte ou de música, assim como meditar, trabalhar o corpo, comer alimentos saudáveis, cuidar do seu jardim. Na teoria, pesquise mais sobre deusas antigas, reescrevendo assim velhos mitos sobre as mulheres.

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