Itacaré é parte de uma história que une tradição e inovação na Bahia
Incrustada na Zona do Cacau, na Bahia, a cidade é parte de uma história que une tradição e inovação, cenários idílicos e águas majestosas
Desde que o deus Quetzalcoatl presenteou o povo asteca com sementes de cacau, o fruto esteve no centro de diversas receitas, em combinações que levavam, por exemplo, o vinho, o milho e a pimenta, resultando em um elixir amargo de alto teor energético. Muito tempo se deu até 1746, quando o colonizador francês Louis Frédéric Warneaux enviou grãos da espécie Forastero para seu amigo, o brasileiro Antônio Dias Ribeiro, responsável pelo cultivo da planta na área de Canavieiras, no sul da Bahia. Quase oito anos depois incontáveis lavouras já eram vistas em Ilhéus e, na entrada no século 19, outras fazendas cacaueiras se espalharam pelos distritos de Itabuna, Itacaré, Pau Brasil, Santa Luzia, Una e Uruçuca. Juntos, esses oito municípios passaram a compor a zona turística denominada de Costa do Cacau a partir de 1991.
Adaptado ao clima e apreciado pelo sabor, o Forastero fez a fortuna dos agricultores locais e alçou o País à condição de segundo maior exportador do mundo. Contudo, as colheitas com o selo nacional sofreram um declínio a partir de 1989, em razão da praga conhecida como vassoura-de-bruxa, causada por um fungo. Mais de duas décadas foram necessárias para recuperar um lugar de destaque no mercado. Como tantas famílias, os Amado também vivenciaram a transformação que o fruto suscitou por lá. Entre idas e vindas, ele; a esposa, Eulália; e o pequeno Jorge, com apenas 2 anos, se mudaram para Pontal e depois para Sequeiro do Espinho, em Pirangi, onde uma nova fazenda seria aberta. A infância ao lado dos trabalhadores e de outros personagens que faziam parte da realidade do entorno testemunharam a evolução de Jorge Amado como escritor, que descreveu com maestria a sua terra natal. Se a Ilhéus de tantos romances ficaram marcadas no imaginário popular, em que se destacam as páginas de Gabriela, Cravo e Canela, foram os fãs do esporte que transformaram a vizinha Itacaré na cidade dos surfistas. Parte dos 6.601 quilômetros quadrados da Costa do Cacau estão espalhados pelo interior e pelo litoral, esse trecho de cachoeiras, praias selvagens e ondas agitadas era originalmente a casa de tribos que viviam da pesca e da agricultura.
Onde o tempo desliza suave
Distante 400 quilômetros de Salvador, esse ponto de belíssimas paisagens onde vivem mais de 27 mil habitantes, abriga o empreendimento The Barracuda Group, desenvolvido por um grupo de brasileiros e de amigos suecos que se encantaram por esta região abençoada pela natureza exuberante, bem no coração de Itacaré, quando a visitavam durante suas férias. Inaugurado em 2013, o primeiro projeto foi o Barracuda Boutique, que fica na Orla dos Pescadores e cujo conceito está em oferecer ambientes que sejam tão acolhedores que os hóspedes se sintam em casa e, ao mesmo tempo, aproveitem o estilo de vida de Itacaré, leve e descontraído. Isso se observa na decoração das nove suítes, nas áreas comuns e na casa de traços coloniais que abriga esses espaços. O segundo endereço da grife abriga o Barracuda Hotel & Villas, onde fiquei no decorrer da viagem. Estudos de compensação ambiental que levaram 15 anos para serem concluídos se mostram nos detalhes dessas construções no topo de um costão rochoso, que tem como companhia as árvores frondosas e plantas nativas da Mata Atlântica espalhadas por 26 hectares e a costa da Praia do Resende. Aberta em janeiro de 2020, a infraestrutura do complexo, que inclui 17 espaçosas suítes do hotel e 9 villas exclusivas, para famílias ou grupos de amigos que buscam privacidade, foi sendo utilizada à medida que a pandemia arrefecia, a quarentena era flexibilizada e a vida voltava à normalidade. Com o passar dos meses, os visitantes que chegaram puderam conhecer esse hotel feito para estar em total sinergia com a biodiversidade do entorno, impressa no uso da madeira nas treliças, nos pergolados, nos assoalhos e no mobiliário, somados às fibras naturais da palha de dendê, aos muros de pedras, aos espelhos d’água e aos jardins e centenas de árvores floridas que abraçam a construção garantindo sombra, frescor e privacidade ao hóspede. A decoração charmosa e de extremo bom gosto, era permeada entre toques baianos e o design moderno sueco, onde móveis desenvolvidos por artesãos locais dividem espaços com peças de renomados designers brasileiros, uma homenagem ao Brasil e à cultura e à essência da região.
Um refúgio para chamar de meu
Já na chegada fui recebida de braços abertos e um sorriso largo por Juliana e Daniel, que gerenciam o complexo, responsáveis por cuidar dos detalhes da minha hospedagem e por organizar com maestria minha programação, tornando meus dias por lá absolutamente únicos e inesquecíveis através de experiências desenhadas sob medida. Com cerca de 730 quilômetros de extensão, Itacaré atrai os fãs de esportes, de aventura e de natureza desde a década de 1980. É possível surfar em uma dúzia de picos diferentes, percorrer circuitos de rafting entre as corredeiras do Rio Taboquinhas ou andar pelas trilhas do Costão. Um dos programas mais bacanas oferecidos é navegar pelo Rio das Contas. Para os mais aventureiros vale a pena se aproximar de uma cachoeira e se refrescar com seus vapores de água, nadar em seu entorno ou praticar stand up paddle no meio de um manguezal, simplesmente imperdível. No final do passeio, a parada é gastronômica raiz, com direito a saborear um delicioso peixe olho-de-boi, assado e servido na folha de bananeira e acompanhado de moqueca, cerveja gelada e muitos drinques. As experiências sugeridas pelo Barracuda, inseridas na imersão na cultura local, também estão em um menu variado – que pode ser organizado sob medida –, transitando entre caminhadas por percursos secretos pela mata e por praias paradisíacas; pesca esportiva feita com várias técnicas na plataforma continental fixada a 6 milhas da costa; e um tour pela Baía de Camamu, dona de florestas, ilhas e águas calmas.
PARTE DOS 6.601 quilômetros QUADRADOS DA Costa do Cacau ESTÃO ESPALHADOS PELO INTERIOR E PELO litoral, ESSE TRECHO DE CACHOEIRAS, praias selvagens E ONDAS AGITADAS ERA ORIGINALMENTE A CASA DE TRIBOS QUE viviam DA PESCA E DA AGRICULTURA.
Um estilo de vida
Projetado pela Cavani Arquitetos, o Barracuda Hotel & Villas foi traçado para valorizar as propriedades da geografia à beira-mar de Itacaré, caso das boas doses de brisa e de luz solar. Fatores que são vistos nas aberturas das fachadas, nos espaços entre as edificações e na escolha das plantas que formam o desenho paisagístico. Nos instantes em que a chuva se fez presente, deixando tudo mais bonito e temperando o barulho das ondas, aproveitei para equilibrar a energia do corpo enquanto recebia uma massagem na varanda do meu quarto debruçada na mata. Era simplesmente o melhor dos mundos. Quando minha sessão acabou, de minha varanda o pôr do sol pareceu “encher os olhos de cores”, como escreveu Caetano Veloso, abriu espaço entre as nuvens, marcou presença e finalmente mergulhou no mar. Mantendo o bem-estar no topo da agenda abri todos os dias da trip no Wellness Deck, intercalando aulas de ioga e sessões de treino funcional.
De olho nas copas das árvores ao nosso redor pude observar a cantoria dos passarinhos e os saltos dos macacos de um galho para outro, um verdadeiro santuário. Por fim, uma dica para aqueles que querem somente descansar: vale passar um dia inteiro no hotel, mais precisamente, relaxando nas espreguiçadeiras e mergulhando na piscina de borda infinita, que é de capotar de tão bonita; sua vista de tirar o fôlego para o mar convida para desacelerar e deixar o tempo passar no compasso tranquilo do astral da Bahia. Se a região era abrigo para poucos turistas há 40 anos, a inauguração da rodovia BA-001, em 1998, que fez a ligação com Ilhéus, abriu caminho para um número muito maior de interessados na potência de suas águas. Parte dessa força vem do Rio de Contas, que nasce na cidade de Piatã – a 1.500 metros de altitude, na Serra da Tromba – e viaja até a foz, em Itacaré, para imediatamente desaguar no Oceano Atlântico. Nesse trajeto de mais de 500 quilômetros ele atravessa três biomas do estado da Bahia; o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica. Elemento de importância ambiental e cultural para as comunidades que vivem nos arredores, o rio é parte de uma bacia hidrográfica homônima que ocupa 53.334 quilômetros quadrados de área de drenagem. Contam os registros que muitos materiais foram transportados por suas correntes naturais, das pedras preciosas nos tempos do reinado às sementes de cacau nas primeiras décadas do século 20. Redescoberto como rota turística, divide com o mar as atrações que encantam os visitantes, pois se o primeiro é rico em corredeiras, o segundo esbanja uma orla apinhada de praias. Há dois grupos delas, as urbanas – Resende, Ribeira, Tiririca, Costa e da Concha – e as selvagens – Prainha, São José, Jeribucaçu, Engenhoca, Havaizinho, Camboinha e Itacarezinho. Os resquícios dos anos movimentados pelo “ouro negro”, em que a força cacaueira impulsionou a formação de muitas regiões, continuam presentes na arquitetura colonial preservada em alguns casarões antigos e nas principais vias de comércio.
No centrinho do distrito está a rua Pituba, carinhosamente apelidada de “Broadway”, localizada a poucos passos do hotel, repleta de restaurantes e de bares frequentados à noite por grupos animados. Ao longo do dia as lojas de roupas, de artesanato e de produtos naturais exibem roupas e acessórios costurados por artesãos, itens de decoração, suvenires típicos e doces e sorvetes de sabores inesquecíveis. Falando em receitas marcantes, a cozinha do Barracuda se baseou na ancestralidade para compor o cardápio traduzindo o real significado da expressão “cozinha de origem”, preparado por chefs e por bartenders nascidos na região, uma viagem inspirada nos elementos locais, um tributo aos itens frescos e as receitas regionais. São bolinhos de peixe, vatapá com moquequinha de camarão, saladas com siri do mangue e picles de abóbora, lagosta com lascas de pupunha e filé de costela nobre acompanhado de purê de raízes, tudo fresquíssimo. Isso sem contar o xinxim de galinha e as moquecas. Como não poderia deixar de ser, as sobremesas têm o chocolate em mais de uma versão – para a alegria geral. Não esqueça de experimentar as cocadas de forno salpicadas de farofinha de tapioca e as frutas da estação. Voltando ao início, para 1746, quando Antônio Dias Ribeiro cultivou as primeiras sementes de cacau e sem saber mudou a história do País, a ideia de conhecer uma dessas fazendas era quase obrigatória.
Feito o convite, fui ver de perto os cacaueiros, saber como os frutos são colhidos, a retirada das amêndoas e a secagem, citando algumas das etapas do processo. Então vi como os grãos são transformados em chocolate e, por fim, participei de uma degustação. De lá, atravessei de canoa o rio Taboquinhas, fui conhecer a dona Bezinha, que transformou sua casa em um restaurante rústico mas famoso pela galinhada, prato disputadíssimo pelos frequentadores. Antes de provar da iguaria desci até a cachoeira De Noré, dentro da propriedade, para nadar, lavar a alma e tomar um pouco de sol. Meia hora depois, subi até a casa e foi quando me perdi nos temperos dessa cozinheira única, alguns minutos na rede e voltei feliz para meu hotel. Sem muito ânimo para fazer as malas, havia muito a ver e a descobrir naquela viagem, dei um pulo na piscina e no bar do Barracuda e celebrei Itacaré, a Bahia, Jorge Amado e dona Bezinha, que é maravilhosa, com uma versão da caipirinha feita com cachaça, cacau e mel de cacau, a “Cacaurinha”. Brindei e saudei o pôr do sol, certo de que era apenas uma questão de tempo para sentir aquele vento encher os dias de poesia mais uma vez.