Cultura

Mareu Nitschke: da moda ao design de interiores

Vestindo casas! Comemorando 25 anos na moda, o estilista Mareu Nitschke sai de sua zona de conforto criando mobiliário e projetos de interiores

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Sala de estar do apartamento do designer.

Mareu Nitschke está há tempos na moda. Lançou sua marca homônima em 1998, passou pela Casa de Criadores e São Paulo Fashion Week antes do hiato de dez anos que o levou às grifes Zapping, Osklen, Maria Bonita e Havaianas. Em 2017, criou a galeria Espaço Quadrado com o artista plástico Carlos Bertuol. Ali, unindo moda e arte no mesmo lugar, Mareu começou a profissionalizar um hobbie: design de interiores, ao assinar o visual do lugar e os móveis que também estavam à venda. Até então, exercitava esse lado criativo cuidando da reforma e decoração para suas moradias. A pandemia tratou de mudar radicalmente esse cenário.

“Uma cliente que conhecia meu apartamento me chamou para fazer o projeto da casa de veraneio em Santos e encarei o desafio”, conta Mareu, que leva para os projetos de home o mesmo percurso de pesquisa e produção que emprega no desenvolvimento de uma coleção de roupas. “É diferente da pegada de um arquiteto porque na moda é preciso construir uma história com personagens. Sigo esse raciocínio começando por uma curadoria da vida dos moradores para entender hábitos e gostos”, explica.


Para o imóvel de Santos, que pertence a um casal de executivos, a ideia foi criar um ambiente aconchegante e pessoal. “Descobri que eles adoram Portugal e, também, Santos, o que trouxeram de viagens, por exemplo”, enumera. Juntando tudo, chegou a palavras-chave como porto, peixes e pesca que conduziram várias de suas escolhas para decorar o espaço, da cartela de cores e opções de revestimento às fotos em preto e branco que agora estão nas paredes. O resultado agradou em cheio aos moradores.

Look da nova coleção tendo o armário de louças.

“A sintonia foi tão grande que a proprietária conta que não saberia viver em outro lugar”, comemora.

Outra cliente, que se veste quase unicamente com roupas criadas por Mareu, se mudou da capital para Campinas, no interior do estado de São Paulo, e chamou o estilista para vestir a nova moradia. “Ela ama arte e design, por isso a proposta foi a de criar uma casa-artsy”, diz ele, que fez uma ampla pesquisa em galerias para pinçar obras e móveis para o espaço. Entre as escolhas estão cadeiras do designer Geraldo de Barros e luminária feita com luvas de borracha do artista Ingo Maurer, além de uma “mesa de queima”. “É um processo feito com água, bicarbonato e fogo. O resultado fica muito bonito”, descreve Mareu. O resultado, assim como em todos os seus projetos de design de interiores, passa pela ênfase no conforto do estilo hygge, de origem dinamarquesa. Sem tradução para o português, o termo pode ser compreendido pela estética que prioriza acolhimento, felicidade e bem-estar. Valoriza ambientes com iluminação aconchegante, cores claras e neutras, presença de folhagens e flores, móveis e revestimento em madeira, aromas, velas, almofadas, tapetes e mantas.

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Look da coleção Mudança e detalhe da sala de estar do apartamento no bairro Jardins, em São Paulo.

“Conto com o suporte de uma empresa de engenharia para fazer as plantas”, comenta Mareu, que já fez quatro residências e dois projetos pequenos. Um deles foi um quarto de bebê. “Os pais me pediram que fosse lúdico e colorido, cheio de estímulos, mas que não ficasse bobo. Me fixei em dois pontos: no gosto do casal pelas artes e em criar uma atmosfera afetiva que pudesse permanecer na história dessa primeira filha”, revela ele, que foi buscar inspiração na profusão de bolas coloridas da obra da artista japonesa Yayoi Kusama. “Nas paredes, cada membro da família, padrinhos, avós e tios, ficaram encarregados de pintar uma das cores das bolinhas. Filmamos esse encontro e um dia a Beatriz [bebê] poderá assistir”, conta, acrescentando que os moradores ficaram tão felizes com esse processo que pediram a transformação do restante da casa, o que contou com a reorganização da paleta de cinza e a inclusão de referências às cores e ao paisagismo de Burle Marx, a criação de uma grande estante para a sala e de brises que se deslocam multiplicando os espaços. Nos últimos meses, também vem se dedicando ao seu novo apartamento, localizado no clássico edifício Cícero Prado, no bairro Campos Elíseos, região central de São Paulo. “Há anos passava em frente, admirava a sua arquitetura e desejava morar ali”, diz Mareu sobre o prédio modernista lançado em 1953 e assinado pelo arquiteto Gregori Warchavchik – também são dele a primeira casa modernista do país na Vila Mariana (1927) e as sedes dos clubes Paulistano e Pinheiros. “Busquei inspiração nos anos 1950. A minha cartela cromática tem 17 cores entre variações de rosa e marrom, por exemplo. Quis contar minha própria história, valorizar experiências. Fiz esse apartamento para viver com meu marido por muito tempo”, reflete.

Mareu conta que esse imóvel, com 70 anos, foi o mais desafiador até agora. Com criatividade acima de budget, optou por armários abertos que pudessem mostrar seus inúmeros livros, objetos, CDs e vinis – o primeiro foi comprado quando ele tinha apenas 12 anos. “Eu e Felipe [marido] adoramos receber, estamos sempre com amigos em casa, e por isso optei por duas ilhas na cozinha, de maneira que uma fosse dedicada ao preparo e outra para cozinhar – beber e sorrir”, relata.


Paralelamente ao mergulho nos projetos de interiores, a moda não ficou em segundo plano. Pouco antes da pandemia, Mareu retomou a marca homônima, abriu loja, lançou a coleção chamada Mudança e acabou fechando o espaço durante o período de isolamento – mas continuou atendendo as clientes em vendas on-line. Junto com a reforma do apartamento, resolveu retomar o desenvolvimento das roupas. “Depois de um ano repensando minha trajetória na moda, voltei com uma coleção que se mimetiza no projeto do apartamento. Mesmo processo criativo, uma viagem dentro do 
meu próprio universo, mas em plataformas diferentes”, analisa. Segundo o designer, um aprendizado desses últimos tempos foi perceber que não se deve subtrair e, sim, somar os talentos que tem: moda, casa, estética, cozinha. “Tudo junto”, resume bem-humorado.

Para unir ainda mais os canais, lança a coleção este mês na residência nova, em encontros para pequenos grupos de clientes. “Quero convidá-las a entrar no meu espaço, comer meus quitutes e vestir minha roupa”, planeja. As fotos da coleção também foram clicadas em casa pela amiga Debby Gram. “A ideia foi trazer uma profundidade de tempo, relíquia e história ao ter como cenário minhas louças antigas, quadros e outras referências.” Em meio a tantas novidades, Mareu, que está prestes a fazer 60 anos, conta que também voltou a cantar e faz parte agora do coral da Casa das Rosas. “Descobri fazendo coaching que o que renova é sair da zona de conforto, correr riscos; encarar desafios me fascina”, diz. Que venham muitos outros.

Look da nova coleção de Mareu, em diálogo com seu apartamento.

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