Cultura

Fernanda Marques fala sobre desafios de ser mulher na arquitetura

Minimalismo e sustentabilidade! Há quase 30 anos no mercado, a arquiteta e designer Fernanda Marques ganhou prestígio e honrarias, e confessa que enfrentou muitos desafios antes de chegar ao topo por ser mulher.

Panorama externo da Casa Jabuticaba
Panorama externo da Casa Jabuticaba

Nome conhecido – e reconhecido – no métier, a arquiteta e designer Fernanda Marques comanda um dos escritórios mais importantes do país. Paulistana, mãe de trigêmeos – um homem e duas mulheres de 29 anos –, não faltou a ela obstinação para garantir seu lugar entre os melhores. “Sempre tive um olhar diferenciado para os espaços, sempre gostei de desenhar, mas a arquitetura não era uma coisa tão clara para mim porque não havia arquitetos na família, não tinha essa referência. A vida vai afunilando, a gente tem que tomar decisões sobre a profissão, pesquisei muito e me encantei pela arquitetura. E em nenhum momento tive dúvidas da escolha que fiz”, lembra ela.

Não por acaso, Fernanda foi condecorada várias vezes em seus quase 30 anos de profissão. Entre as honrarias mais recentes, a conquista do iF Design Award na categoria Arquitetura Residencial com a Casa Jabuticaba, que fica em um condomínio fechado em São José dos Campos (SP) e expressa bem seus valores arquitetônicos. O prêmio será entregue na Semana de Design de Berlim, no segundo semestre. Ela também foi selecionada para entrar no seleto grupo dos 100 maiores profissionais da arquitetura e design da América Latina, o AD100, promovido pela prestigiada revista Architectural Digest. “Estou muito honrada em fazer parte deste renomado grupo de profissionais. É um grande reconhecimento do meu trabalho e da minha equipe, principalmente em um meio tão disputado por profissionais do sexo masculino.”

 

Em sintonia com a perspectiva multidisciplinar que caracterizou sua formação acadêmica, seu trabalho tem se notabilizado pelo exercício integrado nas áreas da arquitetura residencial e corporativa. E, mais recentemente, nas de design de interiores, mostras institucionais e promocionais, e desenho de produtos. “Atualmente são 36 pessoas na minha equipe. Trabalho em algumas frentes. Atendendo o mercado imobiliário, participo desses empreendimentos que são lançados em todo o país fazendo planejamento de interiores. Também faço projetos corporativos para empresas, mas o meu foco é na arquitetura residencial”, explica Fernanda, lembrando que, no início de sua jornada profissional, precisou lidar com o fato de ser mulher em um ambiente predominantemente mascu- lino. “Costumo dizer que ainda está muito no inconsciente coletivo a figura masculina no canteiro de obras. As estatísticas mostram que apenas 10% dos grandes escritórios, nacionais ou internacionais, têm uma figura feminina no comando. Hoje as rugas do meu rosto já me conferem um poder maior de persuasão, mas esse número assusta.”

Seu estúdio de criação no bairro de Vila Olímpia, em São Paulo, ocupa 400 m2 e revela a essência da proprietária. A decoração minimalista mistura materiais naturais e industriais, como uma mesa com base de tronco de Hugo França, poltronas Kartell desenhadas por Philippe Starck e cadeiras de balanço Bubble Chair de Eero Aarnio. O local de trabalho também é de convivência, com espaços independentes para o desenvolvimento das atividades profissionais e um grande terraço com vista para o bairro, com acesso aberto a todos, o que reforça os laços com a cidade lá fora.

Texturas e acolhimento na Vista Residence

Graças a um vasto reportório, gosto refinado e capacidade de renovação, todos os seus projetos, sem exceção, são pensados de forma a comunicar a essência de seu estilo: clean, minimalista e contemporâneo, sempre ajustado às expectativas de seus clientes e afinado com as últimas tendências internacionais da arte e do design. “Fora do país tenho projetos residenciais em Nova York, Miami, Cidade do Panamá, Londres, Lisboa, Saint Tropez... é interessante trabalhar com outras culturas”, pontua Fernanda e aproveita para explicar que, além da técnica, usa de muita sensibilidade na execução de seus projetos: “Procuro sempre levar em consideração os anseios, os desejos e as questões que o cliente traz para mim. Acredito que o bom arquiteto deve saber equilibrar seu estilo com o que o cliente quer. Além de entender o que realmente cabe naquele projeto, em função da localização, do terreno, das condições climáticas, dos prazos, do budget... essa equação tem muitas variantes. É desfiador”.

Segundo ela, quando um cliente decide procurá-la entende o valor de uma arquitetura integrada com a natureza. “A gente vem utilizando estruturas metálicas na tentativa de obter vãos ainda maiores, que aumentem os panos de vidro e a integração com a área externa. Sempre levo em consideração a eficiência energética da casa. As pessoas têm procurado soluções sustentáveis, como sistema de reúso de água pluvial, placas solares... nos preocupamos com a incidência do sol, de que maneira vou proteger algumas áreas em que é muito intensa, como posso trazer mais umidade a ambientes mais secos, circulação de ar.”

Esteta que é, Fernanda é uma amante da arte. Não por acaso, tornou-se colecionadora e incentivadora da arte contemporânea. Chegou a atuar como membro do comitê de aquisições para a América Latina da galeria Tate Modern, de Londres. “Compro arte por paixão, não penso nela como investimento. Não é business”, esclarece, listando alguns de seus artistas favoritos, entre eles, Ernesto Neto, Leda Catunda, Yole de Freitas, Cildo Meireles, só para citar alguns. “Gosto muito de ir a museus, como o MASP, que tem exposições maravilhosas, ou a Pinacoteca, que é minha queridinha e com a qual tenho mais envolvimento. Faço parte dos patronos da Pinacoteca. Sou apaixonada por aquele prédio com as intervenções do Paulo Mendes da Rocha.”

Por essas e outras, a arquiteta tem feito cada vez mais incursões no universo do design de peças, como mobiliário e até joias. “Criar móveis e itens de decoração surgiu de uma necessidade que eu tinha de desenvolver peças especiais para meus projetos. A princípio não vislumbrava fazer uma coleção inteira. Com o tempo fui entendendo que isso também é arquitetura. É só uma outra abordagem de escala porque o raciocínio para o projeto, seja ele arquitetônico ou de design, é muito semelhante”, diz Fernanda, que tem planos nessa seara para um futuro próximo. “A grande novidade é a inauguração da Roca Gallery, que vai acontecer em setembro. A Roca é uma empresa multinacional que trabalha com louças sanitárias. Eles possuem essas galleries espalhadas pelo mundo. Muitos desses projetos foram feitos por ganhadores do Pritzker. A primeira mulher que trabalhou com eles foi a Zaha Haddid e a segunda, sou eu. Foi uma grande responsabilidade para mim ser chamada para fazer parte desse grande projeto”, comemora ela, que também vai lançar uma coleção de móveis em parceria com a Breton – mesas de jantar e de centro, cadeiras, poltronas, chaises, no segundo semestre.

Na mesma época, a arquiteta assume um novo e desafiador papel na vida, o de avó: “Quero priorizar esse momento especial. Não vejo a hora”.

Adega e nicho aconchegante
Adega e nicho aconchegante
Adega e nicho aconchegante.
Sala de estar da Vista residence
Área externa com estruturas metálicas na Casa Jabuticaba

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