Gastronomia

Portugal nas estrelas: Guia Michelin 2024 é dedicado ao país

A celebração da publicação do Guia Michelin 2024, dedicado exclusivamente a Portugal, mostra um cenário gastronômico crescente e pleno de boas surpresas. 

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O restaurante Sem, em Lisboa, e seu mural de conservas e fermentados (Foto: Charles Piriou)

Fui assistir à premiação do Guia Michelin em Portugal, uma celebração aguardada pelos gastrônomos. É a primeira vez que o país ganha uma versão exclusiva da famosa publicação, que antes se juntava com a Espanha. O entusiasmo dos chefs era notável e havia uma certa magia no ar. O evento aconteceu na região do Algarve, reputada por sua riqueza gastronômica. Este ano, o guia recomenda um total de 167 restaurantes, dos quais 30 são novidades. A equipe de inspetoras e inspetores do Michelin, após ter chegado a um consenso, confirma que Portugal está vivendo um momento de grande maturidade culinária. Surgem novas aberturas e propostas interessantes em todo o território, e não só em grandes cidades como Lisboa e Porto. Ao mesmo tempo, destaca-se o fato de os jovens cozinheiros que abrem o seu próprio negócio terem sido formados em casas consagradas. Também aumentam as colaborações, e nota-se um crescimento de ofertas gastronômicas dentro de hotéis. “Há vários anos constatamos o auge constante do panorama português. Impulsionado, entre outros, por jovens chefs locais, que têm a audácia e a coragem de lançar o seu próprio conceito, assim como por chefs mais consolidados, que há muito tempo estão comprometidos em reescrever a face moderna da cozinha lusófona. Este desenvolvimento culinário é, simplesmente, impressionante. Portugal é terra de produtos e tradições arraigados, mas é, também, um destino no qual triunfa a criatividade culinária”, afirma Gwendal Poullennec, diretor-geral do guia, que estava presente na noite de gala. Embora não haja, ainda, nenhum restaurante com três estrelas – a premiação máxima possível – há boas surpresas apontadas em Portugal.

O chef Vítor Matos no restaurante 2 Monkeys.

O chef Vítor Matos é o cozinheiro que mais brilha no momento. Na cidade do Porto, seu Antiqvvm é situado no palacete do Museu Romântico e possui uma vista maravilhosa para o Douro. Consagrado com duas estrelas, ele traz à luz a sua criatividade, o seu domínio técnico e a sua bagagem. Sua obsessão é criar pratos originais e harmoniosos, em comunhão com os melhores ingredientes da estação. A proposta do restaurante convida os clientes para uma “volta ao mundo”, transcendendo o puramente gastronômico, pois, como o próprio chef diz, procura “promover os valores de uma cozinha cultural, natural, evolutiva, social e artística”. Em Lisboa, ele assina outro projeto interessante com o colega Francisco Quintas. Situado no interior do hotel Torel Palace, o 2 Monkeys narra os sabores portugueses a partir de uma perspectiva criativa em um ambiente mais informal. Outro estrelado novato é o Sála de João Sá. O chef convida os seus comensais na capital portuguesa para descobrir outras terras e outros sabores, inspirando-se nas viagens dos portugueses. A sua proposta traz ingredientes de proximidade até mais longe e um toque exótico com referências ao mundo asiático. Novo integrante do restrito clã dos estrelados é o restaurante Ó Balcão, em Santarém. A casa lembra uma antiga taberna. Aqui o chef Rodrigo Castelo defende a essência da cozinha do Ribatejo. A sua proposta destaca o valor dos produtos regionais e busca a autenticidade, focando o seu trabalho na defesa das espécies de peixes de rio autóctones, o que o levou a tomar partido, utilizando as espécies invasoras que atrapalham o equilíbrio natural. Por este motivo, a casa também ganha a distinção de estrela verde, uma forma do Michelin valorizar estabelecimentos com um posicionamento engajado na sustentabilidade.

O chef João Oliveira do restaurante Vista.

Belíssimo destaque na seleção de estabelecimentos estrelados é o restaurante Vista do chef João Oliveira. Situado no Algarve, em um maravilhoso palacete do início do século 20 no centro da Praia da Rocha, sua vista de cartão-postal tem o Atlântico como cenário. Com ênfase na sustentabilidade, o chef não oferece pratos com carne e defende uma cozinha que enaltece ingredientes que vêm de perto. “A proposta, que começa com um aperitivo na cozinha antes de passar para a elegante sala, centra-se em dois menus, marinho e vegetariano. Para explicar a procedência das matérias-primas, como peixes de Sagres, lulas de Portimão, carabineiro de Vila Real de Santo António e flor de sal de Castro Marim, são apresentadas na mesa peças de cerâmica que explicam de forma didática a região”, diz o guia. Outro chef e restaurante estrelado que eu adoro é o Cura, em Lisboa. Situado no Four Seasons Hotel Ritz, o nome faz alusão à curadoria de produtos do chef Pedro Pena, que aposta em uma gastronomia moderna, impressionando com criações ousadas como o molho da Bairrada, mostardas, laranja, que, apresentado como um taco mexicano, nos faz sentir como se estivéssemos degustando um Leitão da Bairrada.

O cardápio do restaurante Vista destaca peixes e vegetais.
A fachada do Ó Balcão em Santarém.

Embora os estrelados tragam toda pompa e glamour que a gastronomia portuguesa merece, meus endereços favoritos figuram dentro de duas seleções. A primeira, chamada de Bib Gourmand, aponta lugares com autenticidade e um ótimo custo-benefício. A segunda, os ditos recomendados, lista endereços com o potencial de se tornar estrelado ou que são apenas boas pedidas para os viajantes. Na Bib Gourmand, há um total de 32 estabelecimentos em Portugal. Os novos a compor a seleção são o Flora, em Viseu; o Inato Bistrô, em Braga; o Norma, em Guimarães; o Olaias, em Figueira da Foz; o Oma, em Baião; O Pastus, em Paço de Arcos; o Patio 44, no Porto; e o Poda, em Montemor-o-Novo. No capítulo dos recomendados, é difícil escolher quais citar. Nos novos integrantes da lista, figuram O Palco, em Coimbra; o Horta, no Funchal; e o Downunder by Justin Jennings, em Lisboa. Outros ainda encontram-se em hotéis ou belíssimas quintas, como o Quinta do Tedo; Família Geadas, em Folgosa; o Bomfim 1896, em Pinhão; ou ainda o Blind, no Porto.

O restaurante 2 Passos no Algarve (Foto: Michelin)

Na ocasião da minha visita ao Algarve, tive o imenso prazer de descobrir o restaurante 2 Passos. Ao começar pelo visual deslumbrante da Praia de Ancão, a construção moderna integra-se perfeitamente a este paraíso preservado. O atendimento caloroso e pessoal leva à mesa com elegância pratos, peixes e mariscos típicos portugueses. Lembrarei para sempre do cherne em crosta de sal, que mostra que a simplicidade é o máximo da sofisticação. Outro restaurante que eu adoro em Lisboa é o Sem. O projeto da carioca Lara Espírito Santo e do seu marido neozelandês Georges George Mcleod é fruto de anos de pesquisa e prática sobre a sustentabilidade na gastronomia. Em um ambiente descontraído, observa-se os vidros de fermentados e conservas que integram um receituário em exposição. Aqui eles utilizam vegetais provenientes de agricultura regenerativa, reduzem ao máximo a utilização de plástico e combatem o desperdício alimentar. Seu menu degustação destaca o frescor dos ingredientes e muda semanalmente. Como um dos restaurantes mais sustentáveis do país, para minha grande surpresa e de muitos, ainda não levaram a distinção de estrela verde.

A carioca Lara Espírito Santo e seu marido e chef Georges Mcleod do restaurante Sem em Lisboa.

Por fim, uma das personalidades mais destacadas da celebração do Guia Michelin em Portugal é Rita Magro. Ela exerce enquanto chef residente no restaurante Blind, sob a tutela do laureado chef Vítor Matos, e chamou a atenção das inspetoras e dos inspetores tanto pela sua proposta, não isenta de personalidade, como pela sua concepção do trabalho diário atrás dos fogões, impondo-se desafios que derivam em constantes melhorias na conceituação dos pratos. A seleção de restaurantes e hotéis do Michelin Portugal está disponível, de forma gratuita, no site e no aplicativo do guia.

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