Gastronomia

Técnicas ancestrais inspiram o horizonte da gastronomia

Uma jornada no tempo! Explorando a interseção entre tradição e inovação: como técnicas ancestrais inspiram o horizonte da gastronomia. 

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Foto: Camila Novoa

A gastronomia é um campo que transcende o simples ato de comer, incorporando uma rica tapeçaria de cultura, história e identidade. Desde os tempos antigos, a alimentação tem servido como um elo entre gerações, refletindo a interação entre o ser humano e o meio ambiente. O legado culinário transmitido por nossos antecessores é mais do que um conjunto de receitas; é um testemunho de práticas culturais que resiste ao tempo e molda o presente. Nesse cenário, a gastronomia contemporânea surge não como um rompimento com o passado, mas como um elo entre tradição e inovação. Exploramos como chefs latino-americanos navegam entre essas duas dimensões, resgatando técnicas ancestrais e reintegrando-as à alta gastronomia. Fermentação e cura, por exemplo, são um testemunho da engenhosidade culinária dos nossos antecessores. A primeira tem mais de 6 mil anos de história e continua a desempenhar um papel crucial na gastronomia moderna, desde pães de fermentação natural até alimentos fermentados como kimchi e kombucha. Esse conhecimento não apenas enriquece nossa culinária, mas também oferece soluções para desafios contemporâneos, como a sustentabilidade e a preservação da biodiversidade alimentar.

Com a globalização, muitas práticas culinárias foram substituídas por produtos industrializados, levando ao esquecimento de ingredientes nativos e técnicas tradicionais. No entanto, há um movimento crescente em direção à biodiversidade alimentar, com chefs e produtores buscando ingredientes ancestrais e técnicas de cultivo sustentáveis.

Esses alimentos não só preservam a memória culinária, mas também garantem segurança alimentar e sustentabilidade. Grãos antigos, tubérculos nativos e ervas tradicionais são exemplos de como a ancestralidade pode ser uma chave para um futuro alimentar mais sustentável. A gastronomia do futuro não se desvia do passado, mas se constrói sobre ele. A ciência alimentar atual frequentemente se inspira em práticas antigas, como a fermentação controlada e o uso de biotecnologia para criar novos produtos a partir de plantas e células. A gastronomia molecular, com suas técnicas de manipulação das texturas e dos estados físicos dos alimentos, é um exemplo claro de como a inovação pode dialogar com princípios ancestrais.

O equilíbrio entre tradição e sustentabilidade é essencial para o futuro da gastronomia. As práticas antigas de cultivo e preparo de alimentos ensinam o respeito pelo ciclo da terra e pela biodiversidade. Em um mundo que enfrenta escassez de recursos e mudanças climáticas, essas lições são mais relevantes do que nunca. O conceito de “do campo à mesa” e a valorização de ingredientes sazonais e locais não são apenas tendências, mas um retorno a práticas profundamente compreendidas por nossos antecessores. Para explorar mais profundamente como a ancestralidade está moldando a gastronomia contemporânea, conversamos com alguns dos chefs mais renomados que estão na vanguarda desse movimento. Cada um deles traz uma perspectiva única sobre como o passado pode inspirar e moldar o futuro da culinária.

No Kjolle, o prato Muchos Tuberculos, de Pia Leon (Foto: Camila Novoa)

Ivan Ralston: A sinergia entre tradição e inovação

Ele é um dos chefs mais renomados do Brasil. Construiu uma carreira impressionante em cozinhas de prestígio como El Celler de Can Roca e Mugaritz. Em 2014, Ralston abriu o restaurante TUJU, que rapidamente se destacou, conquistando uma estrela Michelin em 2015 e uma segunda em 2018. Após reabrir o restaurante em um novo local em 2024, recebeu novamente duas estrelas Michelin, reafirmando seu papel de liderança na cena gastronômica. Juntamente com a pesquisadora Katherine Cordás, fundou o TUJU Pesquisa em 2022, um centro dedicado ao estudo de ingredientes sazonais e regionais, com foco na culinária paulistana. Ralston acredita que o futuro da gastronomia está no equilíbrio entre tradição e inovação. “O resgate de técnicas ancestrais, como a nixtamalização, é crucial para criar uma cozinha autêntica e inovadora”, afirma. Para ele, a originalidade surge da ruptura de estruturas hierárquicas nas cozinhas e do respeito às características culturais regionais. Ele acredita que, ao preservar e valorizar os saberes tradicionais, sem abrir mão da cooperação econômica global, é possível construir um futuro gastronômico autêntico e sustentável.

Foto: Kato

Pía León: Reinterpretando o passado com um toque contemporâneo

Eleita Melhor Chef Mulher da América Latina em 2018 e do Mundo em 2021, Pía León está entre os maiores nomes da gastronomia mundial. Seu restaurante Kjolle, em Lima, alcançou a 16a posição no ranking mundial do 50 Best Restaurants em 2023, destacando sua habilidade em combinar ingredientes locais com técnicas inovadoras. Além de liderar o Kjolle, Pía trabalha há mais de dez anos ao lado de seu marido, Virgilio Martínez, no Central, considerado o melhor restaurante do mundo em 2023. Pía acredita que o conceito de “futuro ancestral” envolve olhar para o passado e reinterpretar técnicas e ingredientes com um toque contemporâneo. “Embora seja difícil reproduzir fielmente práticas tradicionais, como a pachamanca e a huatia, va- lorizo a simplicidade dos sabores e a essência de compartilhar alimentos”, diz. Ela acredita que a gastronomia do futuro deve equilibrar o respeito pelas raízes culturais com a inovação, criando uma cozinha autêntica e relevante no cenário global.

Foto: Camila Novoa

Onildo Rocha: A cozinha armorial como legado cultural

Um dos chefs mais influentes da gastronomia brasileira, criou o conceito de “cozinha armorial”, inspirado pelo escritor Ariano Suassuna. Sua proposta é unir o popular e o erudito, utilizando técnicas francesas e ingredientes de pequenos produtores, com forte ligação com sua terra natal, a Paraíba. Desde a inauguração do Cozinha Roccia, em 2013, até o comando do bar Abaru e do restaurante Notiê em São Paulo, Onildo tem sido premiado por sua inovação culinária. Ele vê a ancestralidade como fundamental para moldar o futuro da gastronomia. “Tudo o que criamos parte das vivências passadas e do respeito às tradições”, afirma. Em sua cozinha, técnicas ancestrais, como a salga da carne de sol, são modernizadas com tecnologias contemporâneas. Ingredientes tradicionais, como a farinha de mandioca, ganham destaque em seus pratos, proporcionando uma conexão afetiva com a história e a cultura locais.

Foto: Nani Rodrigues

Luiz Filipe Souza: A fusão entre culturas

Chef à frente do Evvai, ele reflete em sua culinária moderna e criativa suas raízes italianas e a fusão cultural entre Brasil e Itália. No restaurante, ele explora o conceito de “cozinha oriundi”, que une ingredientes brasileiros a receitas italianas, criando um diálogo entre tradição e contemporaneidade. Premiado e reconhecido internacionalmente, Luiz Filipe participou da final do Bocuse d’Or em 2019 e conquistou duas estrelas Michelin com o Evvai até 2024. “Resgatar técnicas e ingredientes ancestrais, como o barreado e o charque, não só preserva a cultura, mas também evoca uma conexão afetiva com a história”, afirma. Ele acredita que a ancestralidade deve ser traduzida para o presente, em que o tempo se torna um ingrediente fundamental no equilíbrio entre o passado e o futuro.

Foto: Gabriel Tess

Roberto Solís: A simplicidade e conexão com a natureza

Nascido e criado em Mérida, Yucatán, há mais de 20 anos vem destacando a riqueza da culinária de sua região, caracterizada por ingredientes e técnicas ancestrais. Em 2023, seu restaurante Huniik, especializado em alta gastronomia yucateca, alcançou a 58a posição na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. Solís foi honrado com o prêmio Best Chef, sendo nomeado o melhor chef local por sua dedicação à valorização da culinária yucateca. Ele vê o conceito de futuro ancestral como uma evolução sem perder as raízes. “O futuro da gastronomia está na simplicidade, na conexão com a natureza e na valorização das técnicas e dos ingredientes ancestrais”, afirma. Seu trabalho no Huniik, que explora a fusão da modernidade com a herança culinária de Yucatán, é um exemplo de como a ancestralidade pode fornecer uma identidade forte e marcada, enquanto se projeta para o mundo.

Foto: David Flores

Esses chefs exemplificam perfeitamente essa interseção entre tradição e inovação. Ivan Ralston, Pía León, Onildo Rocha, Luiz Filipe Souza e Roberto Solís não apenas preservam e celebram as técnicas e os ingredientes ancestrais, mas também os reinterpretam de maneiras que respeitam o passado enquanto abraçam o futuro. Eles demonstram que a gastronomia não é estática, mas sim uma disciplina em constante evolução que deve honrar seu legado e se adaptar às novas demandas e oportunidades. Por meio de suas práticas, aprendemos que a valorização das tradições alimentares e a preservação das técnicas ancestrais são fundamentais para uma gastronomia mais consciente e sustentável. Esses elementos não apenas enriquecem a experiência gastronômica, mas também contribuem para um futuro em que a alimentação pode ser mais equilibrada, nutritiva e respeitosa com o meio ambiente. Portanto, ao refletirmos sobre a culinária do futuro, é essencial que continuemos a buscar inspiração no passado. A ancestralidade nos proporciona uma identidade mais forte e marcada, oferecendo lições sobre como viver em harmonia com o mundo natural e com as comunidades ao nosso redor. O verdadeiro avanço na gastronomia vem da integração das tradições com as inovações, criando um futuro que honra o que veio antes e abre caminho para novas descobertas e experiências.

Em última análise, o que comemos hoje reflete quem fomos e também define quem seremos. Ao combinar a sabedoria ancestral com a inovação moderna, estamos moldando uma gastronomia que celebra a herança cultural e prepara um caminho mais saudável e sustentável para as gerações futuras. O passado e o futuro estão interligados, e é por meio dessa conexão que encontramos as bases para uma culinária que é tanto um testemunho de nossa história quanto uma promessa para o futuro.

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