Moda

A sustentabilidade entrou no armário

O ano de 2020 veio para quebrar e sacudir tudo – incluindo o guarda-roupa. A maneira de se vestir parece, sim, ter mudado consideravelmente, e aponta para um caminho mais consciente
Sustentabilidade
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Bata a primeira porta do closet quem realmente pensava em sustentabilidade na hora de se vestir até a pandemia nos tomar de sobressalto. Era sair a próxima coleção para a lista de desejos aumentar exponencialmente. Mas, de repente, fomos obrigadas a repensar por conta das manchetes diárias de incêndios nas florestas de um lado e geleiras derretendo do outro. Começou a rolar uma vontade de fazer o que for possível para a vida – nossa e do planeta – ficar melhor.

Dos comportamentos que estarão presentes na moda nos próximos anos, o “menos é mais” parece puxar a fila. Tanto que o mercado de segunda mão deve superar o das fast fashions em menos de oito anos. Sim, compra com propósito é o que ditará o investimento do consumidor nos próximos dez anos. Isso sem falar que o home office mudou tudo – desde reduzir a necessidade de roupa a manter o olhar do look acima do teclado e apostar no comfy way da cintura para baixo.

Simplicidade define. De acordo com o documentário “Explicando”, da Netflix, roupas esportivas tornaram-se um mercado global de 300 bilhões e dólares. O conceito Athleisure (usar roupas de treino no dia a dia), que antes não era bem visto, virou tendência.

O fato é que é possível construir um guarda-roupa mais sustentável, limpar e renovar o que já está lá, encontrar peças ecológicas para preencher lacunas e repensar os hábitos de compras, integrando valores. E, nesse processo, transparência é palavra de ordem, levando em conta o trio economia, ética e meio ambiente para tomar a decisão certa. 

As marcas que praticam a responsabilidade ambiental, a reciclagem, usam recursos biodegradáveis e fontes de energia sustentáveis, ganham cada vez mais espaço. “Um guarda-roupa é sustentável quando a gente usa muito tudo o que tem”, fala Fernanda Resende, consultora de estilo capixaba, criadora da Oficina de Estilo e autora dos livros “Como construir um Guarda-roupa Inteligente” e “Substitua Consumo por Autoestima” (Cia. das Letras).

O negócio é entender como usar a criatividade para fazer as peças renderem muitos looks, sem levar coisas novas para dentro. “A gente coloca mais energia no que não tem do que no que já possui. É mais fácil olhar para fora e ficar encantado, do que para dentro para entender quem a gente é, do que gosta, quais as coisas importantes da vida que queremos experimentar, como quer se sentir e se parecer. Isso dá mais trabalho”, observa. A roupa é nossa interface de interação no mundo. A usamos para fluir e ampliar a capacidade de conexão com o outro. E essa é uma jornada para construir uma melhor experiência humana!
 

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Foto: Divulgação

FELIZ PEÇA ANTIGA

A reforma de roupas também vem com tudo com a possibilidade de voltar a frequentar as costureiras. Tem mais: repetir se tornou cool – e quem garante são os millennials. Até a princesa Kate Middleton aderiu à onda. Comprar novas peças não é um ato sustentável, e por isso precisa ser bem pensado. Uma das saídas é reciclar ou atualizar os itens que já possui, praticando o e-styling.

E vestir jeans com joias pode ser fundamental nesse processo – é a história de olhar para o seu closet com outros olhos, eliminar o que não faz mais sentido, organizar o que fica e ir atrás do que é necessário, focando em alternativas sustentáveis.

Uma pesquisa feita pela Piper Sandler, empresa norte-americana, aponta que os jovens preferem roupas de brechó e estão reduzindo o consumo. De acordo com o levantamento, 46% disseram que estão comprando peças usadas e 58% venderam itens de segunda mão. Os brechós deixaram para trás a imagem de lojas que só vendem coisas velhas e fora de moda, e se repaginaram com peças de coleções novas, e de grandes marcas, incluindo labels de luxo.

São itens únicos que não se vê mais nas vitrines das lojas – uma forma de praticar a moda sustentável. “Sustentabilidade tem a ver com lifestyle”, fala o stylist Thiago Barcellos. “Brechós, com certeza, são grandes aliados para ter essa postura porque evitam consumo desnecessário e aumentam o ciclo de vida das roupas, ressignificando as peças antigas”, continua ele. Já Fernanda observa que brechós são potenciais desenvolvedores de criatividade. “Quando a gente entra numa loja, ela pensa a coleção toda coerente. As cores e formas funcionam entre si. Garimpar em brechó é também uma atividade intelectual”, diz. 

Reforma é outro movimento sustentável. “Você fica longe das compras e dá oportunidade para a costureira, um trabalho feito à mão, com provas e exatamente do jeito que você quer”, observa Thiago.
 

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A cápsula Salinas de Maras, de Cris Barros, é toda desenvolvida com peças upcycling, unindo tecidos nobres do acervo da marca. Foto: Divulgação

MIX IDEAL

O mix de peças ideais continua sendo aquele que atende a demanda cotidiana. O closet inteligente é versátil, conciso (estima-se que as mulheres usem apenas 20% do que têm no armário para compor 80% dos looks) e precisa ser atualizado com alguma constância. “Cada peça tem que dar certo com pelo menos outras três e montar um look de frio e um de calor, um de trabalho e um de lazer, um de dia e um de noite”, ensina Fernanda.

Ter muita coisa atrapalha mais do que ajuda. Para entender o potencial de coordenação das peças, a gente precisa vê-las. “É importante entender que roupa não é investimento, e sim, gasto. Uma hora ela acaba – e o ideal é que a usemos até que isso aconteça. Não sou a favor de abrir mão da autoexpressão em favor da sustentabilidade. Há maneiras de fazer boas escolhas sem abrir mão disso. E as escolhas não precisam ser básicas e atemporais. Cada uma tem uma personalidade. Mas a ideia é demandar menos consumo e se relacionar com as suas roupas com tempo e profundidade.” O consumismo é tipo uma ficada de uma noite, superficial. E a ideia é estabelecer um relacionamento longo, ganhar intimidade.
 

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Sandália Manolita, com saltos de canos de PVC descartados – os mesmos usados em construções. Foto: Divulgação
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As peças da coleção Fit Futuro Flexível, da FIT, usam malha produzida apenas com água de reúso. Foto: Divulgação
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O novo modelo Renew Cotton, da Converse, é feito com 40% de restos de lona de algodão reciclado da fabricação de calçados. Foto: Divulgação

ESFORÇO SUSTENTÁVEL

Ser sustentável exige esforço. Em outras palavras, pesquise marcas responsáveis e defina as suas batalhas. “Muitas grifes, às vezes pequenas, usam materiais que já existem para fazer novas roupas, materiais de reúso para acessórios. O mais interessante é estender o uso das peças tanto quanto possível. E adquirir coisas de qualidade para que, mesmo quando as repassarmos, elas ainda tenham muito tempo de vida útil. Dessa forma, compra-se menos e melhor”, fala Fernanda.

E para resistir à tentação da próxima coleção questione-se. “Esse é um segundo que muda tudo”, garante Thiago. A gente vem perdendo o discernimento na hora de diferenciar o que é desejo, impulso e necessidade. “Na internet é tudo muito imediato, mas a vontade passa. Diante dessa encruzilhada, pergunte-se: Quero? Posso? Preciso? Respire, dê uma volta e reflita”, finaliza Fernanda. 
 

"Matéria publicada originalmente na Revista L'Officiel Brasil #78

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