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Carol Marra fala sobre o dia do orgulho e carreira: “Avançando!”

Carol Marra reflete sobre o Dia do Orgulho e a trajetória profissional em entrevista exclusiva para a L’Officiel Brasil

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Foto: Jeff Amaral

Hoje 28 de junho é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQI+, temos a honra de entrevistar uma das personalidades mais influentes do Brasil no cenário artístico e da moda, Carol Marra. Atriz, jornalista e comunicadora, Carol nasceu em Belo Horizonte e vem trilhando uma carreira brilhante desde que foi descoberta nos bastidores da semana de moda do Rio de Janeiro. Sua trajetória é marcada por pioneirismos e conquistas significativas, como ser a primeira modelo trans a desfilar nas principais passarelas do mundo e a primeira mulher trans a posar para um editorial da revista L'Officiel.

Nesta entrevista exclusiva para a L'Officiel Brasil, Carol compartilha suas perspectivas sobre moda, vida e bem-estar, além de refletir sobre seus trabalhos e a importância do Dia do Orgulho LGBTQIAPN. Com uma carreira que inclui participações em programas e séries de destaque, como "PSI", "Segredos Médicos", "Espinosa" e "Boogie Oogie", além de sua atuação no cinema em filmes como "A Glória e a Graça" e "Berenice Procura", Carol continua a inspirar e a abrir caminhos para a diversidade e inclusão.

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Foto: Jeff Amaral

L’Officiel Brasil- Como você vê a evolução da representatividade trans na mídia e quais foram os maiores desafios que enfrentou na moda?

Carol Marra: Eu acho que a gente evoluiu bastante se você for comparar com 20 anos atrás. Mas a mídia e o audiovisual tem ainda uma dívida muito grande com essa parcela da população. Até então, uma trans e uma travesti eram sempre representadas de uma forma estereotipada, como uma caricatura, e nunca só como mulheres. Sempre tende para uma piada, para o humor, e isso só reforçava a imagem negativa que muitas pessoas tem, ligando com prostituição por exemplo, que não é a realidade de muitas. A gente entende que muitas se prostituem porque não tiveram muitas oportunidades na vida, e elas foram covardemente empurradas para a prostituição porque não tiveram chances no mercado de trabalho, elas não estão ali porque elas gostam. Mas essa imagem é reforçada no audiovisual. Nunca mostram uma trans deputada, como a Erika Hilton, ou uma biomédica, professora, atriz, modelo. É difícil você ver esse tipo de personagem no audiovisual, mas as coisas vão mudando aos poucos.  A gente tá caminhando com saltos altíssimos em passos largos, mas ainda temos um longo caminho para percorrer e chegar no que seria um patamar ideal de direitos e respeito. Ainda nesses dias eu estava vendo uma matéria de uma menina que foi impedida de usar o banheiro, e começou toda uma discussão se ela deveria usar o banheiro feminino ou masculino. Gente, se ela é uma mulher, como ela vai entrar em um banheiro masculino? As pessoas continuam muito intolerantes, infelizmente. Ainda somos o país que mais mata pessoas trans no mundo. As mulheres são covardemente assassinadas pelo simples fato de serem quem são, e isso é de uma crueldade tamanha.

Quando eu comecei a minha trajetória profissional lá atrás, as redes sociais não tinham essa força. Não existia Instagram, por exemplo. O nosso país, infelizmente, é fraco de memória. Eu me lembro de Roberta Close há muitos anos atrás, que é uma inspiração e uma amiga, teve também Lea T, que começou junto comigo, só que Lea estava fora do Brasil. Então, não tinham muitas modelos trans. Hoje em dia tem muitas meninas lindas, graças a Deus, tem a Valentina Sampaio que é minha amiga querida, eu brinco que é minha filha, inclusive, e ela é talentosíssima e maravilhosa, faz um trabalho impecável. Mas lá atrás, quando eu comecei, não tinham muitas, então todo desfile que eu fazia era meio que um espetáculo. Eu me sentia um pouco como uma atração no circo, e isso me incomodava muito. Eu desfilava, eu curtia, mas hoje me incomoda um pouco a forma como as pessoas me enxergavam. As notas, as matérias que saiam sobre mim, sempre diziam ‘‘modelo trans’’. Ninguém fala ‘‘o ator homossexual’’, ‘‘a cantora lésbica’’, enfim, isso não é crédito para ninguém, e até hoje me incomoda. Naquela época então, todo desfile a menor roupa era pra mim, para mostrar mais o corpo, e por mais que eu não estivesse nua, me incomodava a forma como eu era vista e como era tratada. Já aconteceu de eu ser tirada de desfiles por ser uma mulher trans, e me assusta, porque no meio da moda tem muitas pessoas gays. Mas às vezes, o gay também é muito preconceituoso. O mundo da moda é onde eu vejo mais preconceito, é impressionante. Já colocaram alfinete no meu sapato, minha roupa já sumiu depois de desfilar, a ponto de eu ter que ir embora com a roupa que eu já desfilei. É muito triste.

L’Officiel Brasil- O que significou para você ser a primeira mulher transexual a posar na revista L'Officiel?

Carol Marra: Foi um orgulho. Eu sempre gostei muito de moda, e eu fiz jornalismo pensando em ser editora de uma revista de moda. Acabou que por essas coincidências da vida, ou não, eu fui parar do outro lado do balcão, trabalhar como modelo, e hoje como atriz e comunicadora. Mas eu lembro que a L’Officiel era uma revista que eu gostava, que eu acompanhava, e pensava ‘‘nossa, quem sabe um dia eu vou trabalhar como repórter, como editora’’. E logo depois de começar a trabalhar como modelo, me ver estampada em um editorial enorme, e que era maravilhoso, eu fiquei muito orgulhosa, muito feliz. Foi a minha estreia, eu comecei como modelo desfilando no Fashion Week e logo o meu primeiro editorial foi para a L’Officiel. Fiquei bem feliz.

L’Officiel Brasil- Pode nos contar um pouco sobre sua família e como eles influenciaram sua carreira?

Carol Marra: A família é a base de tudo. É ela que constrói o nosso caráter, nos da um norte, é o nosso colo, nosso afago quando a gente tá com algum problema. A minha família sempre me apoiou, diferente de muitas meninas trans que são colocadas para fora de casa pelo simples fato de serem quem são. A minha história é um pouco fora da curva, eu tive o apoio da minha família, eu pude fazer uma faculdade, eu tive todo um respaldo. Claro que, para os meus pais, foi um pouco difícil de entender a minha sexualidade. Eu tô falando de 20 anos atrás, era um assunto que não se falava muito, era um tabu, então os meus pais me perguntavam ‘‘me ajuda a te entender, pra gente poder te ajudar’’. Porque para eles era muito difícil entender tudo isso, eles tinham uma imagem estigmatizada. E eu não acho que eu seja melhor do que ninguém, mas as pessoas estigmatizam uma imagem.

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Foto: Jeff Amaral

L’Officiel Brasil- Já que estamos no mês do amor e digo por conta também do Dia dos Namorados, como está esse coração? Apaixonada ou aberta a um relacionamento?

Carol Marra: Meu coração está bem, obrigada. Estou com uma aliança no dedo, já são sete anos de relacionamento, e é um relacionamento leve, sem cobranças, a gente se respeita, se ama. Cada um tem seus gostos muito particulares e peculiares. Eu, por exemplo, amo carnaval, e ele já não gosta. Tanto que no último carnaval eu fui pra Salvador e ele foi para o Chile. Mas a gente super se entende, se ama, e estamos indo comemorar o aniversário na Europa, curtir um pouquinho do verão europeu.

L’Officiel Brasil- Que produtos de beleza e maquiagem você não vive sem?

Carol Marra: Essa lista é longa! Eu adoro maquiagem. Todo maquiador que vem aqui em casa, acha que ela é quase uma extensão da Sephora. Eu adoro e uso mesmo. Confesso que pra skin care eu era um pouco fraca, eu tinha preguiça de tirar a maquiagem para ter que me maquiar de novo no dia seguinte. Hoje eu já aprendi que tem que tirar, a minha dermatologista brigou muito comigo e eu escuto ela. Então atualmente eu já tenho um ritual de skin care, mas é uma skin care básica. Eu gosto de produtos básicos. Se for algo muito demorado, eu tenho um pouco de preguiça. Mas pra maquiagem não. Quando eu vou para uma festa, adoro a minha maquiagem. Até tenho os maquiadores que eu gosto, mas como eu conheço o meu rosto, e eu sei o que eu gosto, o que funciona em mim, e por ter trabalhado com isso por muitos anos, inclusive como produtora, eu sei o que funciona. Eu sei o meu ponto fraco, o meu ponto forte, o que eu devo valorizar, o que eu devo esconder. Então quando eu vou fazer uma maquiagem pra um evento, eu coloco uma música e as vezes demoro mais de uma hora para me maquiar.

L’Officiel Brasil- Quais são suas dicas de beleza e cuidados pessoais, e como você mantém uma vida saudável e uma rotina de malhação?

Carol Marra: Primeiro, se alimentar bem. Eu cortei o açúcar da minha vida, então café é sempre sem açúcar e eu evito doces. De vez em quando eu como um chocolatinho, mas é muito raro. Tomar muita água também faz muito bem para o nosso corpo, para a nossa pele, e logo cedo, assim que acordo, eu lavo o meu rosto apenas com água gelada, sem nenhum tipo de sabonete, faço uma leve drenagem com os dedos, passo uma vitamina C, faço meu skin care e vou para a academia. Sim, a gente precisa de academia e fazer musculação, principalmente depois que a gente passa dos 40. A gente precisa ter uma estrutura muscular fortalecida.

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Foto: Jeff Amaral

L’Officiel Brasil- Como você vê a importância de participar da primeira produção infanto-juvenil da Netflix no Brasil com a série "Luz"?

Carol Marra: Fiquei muito feliz com o convite do Thiago Teitelroit, quando ele me chamou para fazer uma participação. É um papel pequeno, de uma mulher, uma inspetora de uma escola suíça. Sei que a série está sendo um sucesso. É muito engraçado ver umas menininhas de 7, 8 anos pedindo vídeo meu mandando beijo. É engraçado, é um público que eu não esperava atingir, e está sendo um sucesso. Para a segunda temporada, talvez a minha personagem tome um rumo ainda maior, mas ainda não sei, isso é com o diretor.

L’Officiel Brasil- O que o mês do orgulho LGBTQIAPN+ significa para você pessoalmente e profissionalmente, e como você celebra essa data?

Carol Marra: Essa pergunta me traz uma reflexão, porque não sei se a gente tem muito o que comemorar. Infelizmente o nosso país é o que mais mata pessoas da comunidade em todo o mundo, então não sei se a gente tem muito o que celebrar. Acho que a gente tem o momento pra reivindicar os nossos direitos, reforçar as nossas batalhar por respeito, por equidade, mas nós temos um caminho longo para percorrer. Mas coisas importantes estão sendo feitas. A gente tem na política pessoas que nos representam com seriedade, um trabalho lindo. Por um lado, temos que celebrar sim a nossa existência, saímos do armário e para lá não vamos voltar, não podemos voltar, porque é sempre muito triste quando a pessoa tem a sexualidade reprimida. Hoje mesmo estava lendo um livro de uma escritora australiana, chamado ‘‘Antes de Partir’’, e ele relata algumas dicas de pessoas que vão morrer, o que elas falam, os arrependimentos, e grande parte dos relatos são pessoas dizendo que não foram elas de verdade. É tão bom quando a gente pode ser a gente de verdade, e eu tive essa sorte. Tudo se torna mais leve. Minha amiga brinca comigo, me fala: ‘‘a insustentável leveza do ser’’.

L’Officiel Brasil- Como é o seu orgulho de ser uma mulher trans e quais são suas expectativas para o futuro da representatividade trans na sociedade?

Carol Marra: Eu tenho muito orgulho da minha história, da mulher que eu me tornei. Eu tenho orgulho de toda a minha trajetória até aqui. É uma pena, de novo, que as pessoas não tenham memória, mas eu não culpo ninguém. Como eu falei, quando eu comecei não tinha rede social, não tinha essa força toda que tem hoje.

As minhas expectativas para o futuro são as melhores possíveis. Temos que torcer para que a sociedade tenha um olhar de carinho e principalmente de respeito pelo próximo, não só pela comunidade. Falta muito amor nos dias de hoje. As pessoas se preocupam muito com o que o outro faz entre quatro paredes, e a gente tem que para de se preocupar com isso. Cada um tem que cuidar da sua vida e levar uma vida leve.

L’Officiel Brasil- Quais são os planos futuros e próximos passos na carreira após a série “Luz”?

Carol Marra: Como atriz, ainda quero emprestar o meu corpo para contar muitas histórias, e principalmente que essas histórias toquem e transformem o coração de quem está assistindo. Esse é o grande papel do ator. Mesmo que mil pessoas estiverem te assistindo, se você transformou uma, já está valendo a pena. Mas como boa mineira que sou, tem aquela história, a gente come quieto pelas beiradas. Eu ainda não posso falar os meus próximos passos, mas eu tenho alguns projetos para esse ano, no segundo semestre.

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Foto: Jeff Amaral

Jogo rápido:

L’Officiel Brasil- Qual seu papel favorito até agora?

Carol Marra: A gente tem um carinho por cada personagem que a gente fez. Eu não sei eleger o que eu amei mais. A primeira, que foi a minha personagem na série PSI, eu tenho um carinho especial por ter sido o que meu abriu portas para o audiovisual. Mas eu fiz recentemente uma personagem em um longa-metragem chamada ‘‘What About Love’’, de uma diretora portuguesa, a gente gravou na Bahia. Foi um filme que me exigiu muito, interpretando uma mulher que sofre violência doméstica, uma professora de piano que se envolve com um aluno 20 anos mais jovem e o marido descobre. Então é um filme que teve uma carga dramática muito grande e exigiu muito de mim, mas eu fiquei muito feliz com o resultado. Tive que me desnudar de vaidade, porque era uma mulher simples, então era eu natural, de cara lavada, mas achei de uma poesia, de uma beleza tamanha, acho que eu nunca me vi tão bonita. A gente precisa de pouco para ser mulher, hoje em dia é tudo menos.

 L’Officiel Brasil- Um ícone da moda que te inspira?

Carol Marra: Constanza Pascolato, Isabela Fiorentino, Silvia Braz. São pessoas que eu gosto de seguir, que me agregam.

L’Officiel Brasil- Um filme ou série que marcou sua vida?

Carol Marra: São muitas. ‘‘As Telefonistas’’ (Las Chicas Del Cable) me marcou muito, e estou reassistindo nesse momento. Mas tem muitas outras séries e filmes.

L’Officiel Brasil- Qual seu lugar favorito para relaxar?

Carol Marra: Praia. Eu sou da praia, sou do sol. Quer me ver relaxada, me joga numa praia e me deixa ali no sol, tomar um banho de mar. Isso me faz um bem tamanho.

L’Officiel Brasil- O que não pode faltar na sua bolsa de jeito nenhum?

Carol Marra: Dois itens: óculos de sol e um lip balm.

L’Officiel Brasil- Uma mensagem para a comunidade LGBTQIAPN+ neste mês do orgulho?

Carol Marra: Ter orgulho da pessoa que você é, não voltar para o armário, impor e exigir o respeito do próximo. Investir na sua educação, formação e não aceitar migalhas de ninguém, principalmente isso.

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Foto: Jeff Amaral

Foto: Jeff Amaral

Beauty: Gustavo Ribeiro

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