Misci apresenta coleção na Pinacoteca Contemporânea
Apresentando nova coleção, Misci traz latinidade para sua passarela na Pinacoteca Contemporânea, em São Paulo. Confira!
Até que demorou para que a narrativa posta por Airon Martin para a sua Misci abraçasse o além-fronteira. Depois de se firmar falando sobre (e retrabalhando) o orgulho nacional e seus grotões culturais, querendo rever a potência da indústria brasileira na construção de uma nova identidade de luxo local, Airon faz a curva das margens e olha para os hermanos latinos — e tudo o que teríamos em comum dentro dessas personalidades invadidas, colonizadas, miscigenadas e autoabraçáveis. Fato é que o Brasil, como uma ilha no continente, pouco se enxerga como parte de uma latinidade; muito menos do que poderia ou, inclusive, deveria. Mas também é fato que, a partir desses limites impostos pelas invasões do Norte, as culturas se atravessam e se comunicam com tantos fatores em comum que nem se percebem. Por isso a Misci consegue sintonizar sua brejeirice estética (que tanto olha para um Brasil pós-concretista idealizado) em frequências que atingem do nosso samba ao reggaeton de los otros, trazendo o milho (onipresente nas panelas latinas) para a estamparia ou a malícia do pop em espanhol para as fendas e sexualidades revistas nas saias fluidas — apresentadas ao redor da "Tríade Trindade", obra máxima de Tunga que fica no quintal da nova Pinacoteca Contemporânea, cenário do show. Mas nem tudo é antropologia, e a moda de Airon ganha um reforço com a alfaiataria especialmente bem resolvida nas curvas, as sedas e as texturas que costumeiramente gosta de trabalhar por ali — os jacquards e os couros plissados, especialmente, além de todas as matizes de pirarucu. Assim como os primeiros trabalhos aqui e ali, singularmente nos calçados, com o novo biocouro desenvolvido no Brasil a partir da orelha-de-elefante — planta decorativa que veio da Malásia e de latina não tem nada; mas representa bem esse caldeirão cultural que, de latino, todos temos nada e tudo ao mesmo tempo. Airon acerta, na sua abertura de olhares, em mirar para cá perto e não para lá longe. Nada mais direito em tempos de ascensão do Sul Global. Falta agora que essa mistura aconteça na prática e não só na passarela, esforço que não pode caber a uma marca só.