Hommes

Bielo Pereira em entrevista exclusiva sobre visibilidade trans

Bielo Pereira falou sobre a questão trans na sociedade brasileira, discriminação, segregação e muito mais! 

Bielo Pereira
Bielo Pereira

Bielo é apresentadora, empresária, mulher trans e utiliza suas redes como meio de fomento de pautas de gordoativismo, empoderamento de pessoas negras e luta contra a discriminação da população LGBTQIAP+. É palestrante e comunicadora através de vídeos, podcasts, performances artísticas (dentro e fora do mundo digital).
 
Além do video, confira uma entrevista com @hellobielo falando sobre a questão trans na sociedade brasileira, discriminação, segregação no trabalho, amizades e relacionamentos…e muito mais! 

 

Qual a importância do dia da visibilidade trans para a comunidade?

Essa data é muito importante porque ela lembra a sociedade da nossa existência e da nossa resistência, porque foi através da luta, lá atrás neste mesmo dia 29, que nós conseguimos um marco perante a lei da nossa existência. E partindo daí, a gente continua na luta por respeito. Ainda tem muito o que se mudar, muito o que se fazer na nossa sociedade, mas é através deste dia que nós conseguimos repensar as nossas ações e mudar um pouquinho isso e fazer com o que o respeito seja cada vez mais perene e resistente na nossa sociedade. 

 

Infelizmente, a rotina das pessoas transgêneros e travestis no Brasil é marcada pelo medo, violência, discriminação e falta de oportunidade. Para você, quais são as maiores e principais dificuldades que uma pessoa trans enfrenta no seu cotidiano? 

Acredito que a falta de respeito e humanidade com a qual a sociedade nos trata. Isso faz com que nós sejamos pessoas que temos que nos provar duas, três vezes mais para estarmos nos espaços. Nós estamos mudando essa imagem de que não somos pessoas que merecem respeito, e que sim, estão em todos os lugares. Isso é algo que muda o paradigma da nossa existência, sobre como a sociedade nos vê, uma vez que ela está nos vendo em todos os lugares. Então eu acho que essa busca incessante por respeito e humanização tem a ver com uma busca de existência na nossa resistência.

Muito se fala sobre diversidade e inclusão, mas efetivamente você se sente incluída na sociedade? 

Sinceramente, não. Ainda não me sinto incluída nessa sociedade que ainda repele a minha existência. Muitas pessoas na sociedade ainda não conseguem entender o que é uma pessoa trans, ainda mais sendo uma mulher trans não binária bigênere. Então, eu sinto que hoje o meu papel é ser uma agente de transformação para que a diversidade e a inclusão não sejam assuntos e pautas separados da sociedade, mas que elas sejam inerentes. No momento em que você não precisar falar sobre diversidade, porque você entende que o diferente faz parte da regra, vai ser nesse momento que eu vou realmente me sentir representada na sociedade.

 
 

O Brasil vem reconhecendo cada vez mais importantes leis para os transexuais, mas  ainda falta muito! Na sua opinião, como está esse processo no nosso país e como funciona na prática a garantia legal dos direitos?

Eu vejo essa questão dos processos de lei do nosso país como algo que de certa forma está muito avançado, assim como a nossa própria constituição, ela é uma das mais completas e modernas do mundo, mas o problema sempre está na execução dessas leis que estão sendo forjadas. Porque uma coisa são as leis que estão sendo escritas e outra coisa as leis sociais das nossas sociedades e micro sociedades. Então eu acho que falta muito aí, nesses processos, nos processos de conhecimento, de troca, nos momentos em que a gente fala com a nossa comunidade, com nossa sociedade, para que esses preconceitos deixem de existir e para que cada vez menos a gente deixe de ter que executar a lei. A lei tem vindo como uma resposta para a resistência da sociedade para com aquilo tido como diferente. Temos sempre que garantir que empresas e a sociedade como um todo sigam com essas normas que estão escritas, para que isso transforme as não ditas.

 O que você tem para dizer para aqueles que se sentem discriminados e com dificuldades de se inserirem no mercado de trabalho? A quem recorrer? O que fazer? 

Infelizmente isso é algo que ainda acontece, e muito. E eu acho que o primeiro lugar para se recorrer quando se está empregado é ao seu RH, por meio de uma denúncia formal, ou até mesmo uma queixa fora , porque isso é crime. E quando a pessoa não está empregada, é muito importante que a gente consiga uma rede de apoio por meio de canais e iniciativas que apoiem a comunidade trans, como a trans empregos por exemplo. Essa é uma forma de garantir que as empresas que estão associadas à essas organizações são empresas que não só vão preencher vagas com pessoas trans, mas que também estão preparadas para esse momento. 

Ainda existe segregação e preconceito nos relacionamentos amarosos e amizades? 

Sim, ainda existe muita segregação e preconceito. Eu digo até que mais em relação aos relacionamentos amorosos. Ser uma pessoa trans às vezes te coloca numa posição da sociedade de não lugar. É como se nós não existíssimos porqur quando a gente para pra pensar em pessoas heteo cis, elas têm os eventos, têm os lugares ondem esses corpos são aceitos, pessoas cis gays - tanto homens como mulheres, têm esses lugares também. Agora pessoas trans sofrem com a falta de lugares onde esses corpos são a primeira possibilidade. Mas estamos aí para subverter essa lógica.

 
 

Você acredita que existe uma contribuição efetiva da moda com a causa trans? O que poderia ser feito?

Sem dúvidas. Acredito que o fato de grandes designers e nomes da moda terem trazido corpos e pessoas trans para o mudo da moda fez com que muitas pessoas se perguntassem quem somos, de onde viemos. E isso fez com que nós passássemos a existir, então eu imagino que a moda tenha um papel fundamental. Isso sem falar da nossa imagem, como nós queremos nos apresentar, nos vestir, tudo isso está relacionado a moda. Acho que a moda é a primeira porta de entrada para que a gente possa mostrar o nosso verdadeiro eu. Às vezes as palavras não conseguem expressar o que a forma que nos vestimos consegue. 

 O que você gostaria que o mundo soubesse sobre as pessoas trans? 

Antes de mais nada, que pessoas trans são pessoas. E para além disso, que não fomos ensinados a entender, a conhecer. E eu acho que a gente tem um papel muito importante na sociedade de falar sobre transformação, seja a transformação de gênero, ou a transformação de pensamento, do jeito de ser (como pessoas cis também fazem). Você realmente está bem consigo mesmo e com quem você é. Eu acho que isso é o que pessoas trans representam, a efemeridade da existência e do ser. 

Como foi o seu processo de transição?

Bom, eu diria que eu fui privilegiada por ter uma família que me aceitou desde o primeiro momento. Eu pude ter a minha mãe sempre ao meu lado, me respeitando e apoiando. Ela sempre dizia que me respeitaria e procuraria entender quem eu era, mesmo que não entendesse naquele momento. E o meu processo de transisção se baseou muito no meu corpo, porque foi o entendedo gordo na sociedade, meu corpo intersexo na sociedade, que eu consegui me libertar para falar sobre gênero. Era como se eu sempre me aceitasse , mas chegava num ponto em que eu pensava que " isso eu não posso ser pra fora", mesmo sabendo que desde sempre dentro de mim eu sempre fui essa pessoa trans. 

 
 

O que é ser uma pessoa bigênere?

Eu sou uma mulher trans não binária, e o meu gênero é ser uma pessoa bigínere. O que seria isso? Bom, eu sou homem e mulher ao mesmo tempo, o tempo todo, independente da imagem social que eu esteja apresentando, até porque 95% do meu tempo minha imagem social é uma imagem tida como feminina, mas isso não interfere no que é o meu gênero, porque aqui estamos falando sobre expressão de gênero. Ser uma pessoa bigênere é me ver fazendo parte desses dois universos, e não necessariamente sendo algo cinquenta por cento cada, mas eu não me vejo apenas como uma mulher trans, mas também com toda a bagagem e vivência de ter sido criada e como fui moldada para ser desde sempre. Eu sinto que  ainda que não me represente cem por cento, essa bagagem também é agregadora. Então isso é ser bigênere, me ver fazendo parte desses dois espectros ao mesmo tempo e o tempo todo. 

 
 

Quais foram seus maiores medos e as maiores felicidades durante a transição?

Acho que os meus maiores medos estavam relacionados a me reconhecer. Sendo uma pessoa bigênere, houve muitos momentos em que eu não me via em outras pessoas trans. Por não ser um gênero muito falado eu imaginava que isso invalidava a minha existência e eu teria que me encaixar numa forma cis de se ser trans, que é ser apenas uma mulher trans. E com um tempo eu tive medo de invalidar a minha existência. Mas ainda com medo essa foi uma grande felicidade, perceber que sim, sou assim, essa é a Bielo. E se essa sou eu, o mundo vai ter que me aceitar dessa forma. E foi nesse momento de libertação que eu mais recebi respostas e feedbacks de incentivo e aceitação. 

O que você gostaria de dizer para as pessoas que estão passando pela descoberta da transexualidade?

Converse consigo mesmo, saiba quem você é por você mesmo, se entenda, e vá com força. Às vezes a gente se prende tentando ser algo que não somos por medo que vão pensar do que pelo real sentido da vida, que é vivê-la na sua plenitude. Então esse é o maior conselho que eu poderia dar. Procure ter uma rede de apoio. Nem sempre ela vai vir da sua família, mas tá tudo bem. 

O ano ainda está começando, mas com certeza promete muitos sucessos! Nos conte um pouco sobre seus planos, projetos e sonhos para 2023? 

Bom, recentemente eu me juntei com a minha grande amiga irmã Giovanna Heliodoro para poder criar a primeira premiação trans do Brasil. Um evento que vai premiar não só o mercado da publicidade que é o principal meio para que a gente possa propagar o respeito na sociedade, mas também premiar grandes corpos trans existentes e resistentes. A gente quer dar força e visibilidade para a arte trans, a cultura trans, a intelectualidade, mostrando assim a nossa pluralidade e resistência. A ideia é que a premiação culmine em um baile, como outros renomados bailes pelo Brasil. A primeira edição acontecerá em junho, ainda que não tenhamos a data exata. Já consigo adiantar que o tema para essa primeira edição será a mitologia, para que a gente faça com que os nossos corpos não sejam mais corpos que são endeusados, colocados como algo distante.
Então inevitavelmente esse tem sido o meu projeto mais querido para esse ano, que eu tenho investido bastante energia, com um lugarzinho especial no meu coração. Inclusive, estamos falando sobre o projeto em primeira mão com vocês. 

 
 

Tags

Posts recomendados